Pilar da tecnologia

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on-line
Publicada em 15/01/2016


Algumas tecnologias, de tão incorporadas ao nosso cotidiano, parecem invisíveis: mal paramos para pensar em como funcionam, ou quanta pesquisa foi necessária para que fossem criadas. É como sempre estivessem estado ali. Quem tem cerca de 40 anos ou menos, por exemplo, acha natural ter em casa um (ou alguns) aparelhos de televisão a cores, cuja popularização se intensificou nos anos 1970. Os mais jovens, então, já nasceram imersos em várias outras tecnologias: telefones sem fio, videocassetes e micro-ondas, que invadiram as casas lá pela década de 1980; aparelhos de DVD, computadores, celulares e a própria internet, cuja disseminação se intensificou nos anos 1990. Que falar das crianças e adolescentes de hoje, nascidas em meio a smartphones e tablets, passeando em carros com computadores de bordo e assistindo TV em altíssima definição e três dimensões?


Atualmente, no Brasil, praticamente todas as residências possuem televisores e temos mais do que um aparelho celular por habitante. (foto: Paul Stevenson/Flickr CC BY 2.0)
Em meio a tanta tecnologia, que avança tão rapidamente quanto se incorpora à nossa vida, é difícil se manter consciente de como cada aparelho funciona. A maioria acaba encarando essas máquinas como caixas pretas, no sentido de que não se sabe o que de fato há lá dentro – o que, obviamente, não é verdade: para cada geringonça tecnológica que compramos hoje a humanidade precisou, ao longo de sua história, desenvolver mecanismos, simples ou complexos, capazes de fazê-la funcionar.
Se pararmos para pensar, veremos que o homem sempre tentou transformar fenômenos, materiais e objetos para facilitar sua vida. Lá atrás, descobrimos como dominar o fogo e construímos instrumentos e ferramentas usando pedra lascada e metais. Hoje, somos capazes de produzir novos fenômenos físicos e montamos novos materiais átomo por átomo, utilizando a nanotecnologia. Um grande caminho percorrido...
Uma parte importante da tecnologia presente em nossos lares tornou-se possível a partir da investigação fundamental da matéria e das suas interações, em outras palavras, da pesquisa do que chamamos "ciência básica”. Em particular, muitos dispositivos e equipamentos se baseiam no magnetismo da matéria, um fenômeno conhecido desde tempos remotos.

Ciência que vem da Antiguidade

Tudo começou com uma pedra encontrada na região da Magnésia, na Grécia, que funciona como ímã natural. O filósofo grego Tales de Mileto foi o primeiro a propor uma explicação para que isso acontecesse: ao observar que as magnetitas ora se atraíam, ora se repeliam, atribuiu o comportamento ao fato de que a pedra possuiria “uma alma própria”. Mais tarde, Platão tentou explicar os fenômenos magnéticos admitindo que a atração e a repulsão fossem devidas à “umidade” e à “secura” da magnetita. 
Algumas centenas de anos à frente, o século 19 também foi um período de grande avanço na ciência. Em particular, nessa época foi descoberto que os fenômenos magnéticos e elétricos estavam associados. O francês André-Marie Ampère e o holandês Hans Christian Oersted descobriram que correntes elétricas geram campos magnéticos, permitindo aprofundar os estudos do magnetismo e da eletricidade. O inglês Michael Faraday e o estadunidense Joseph Henry, de forma independente, descobriram a lei da indução eletromagnética, mostrando que campos magnéticos que variam com o tempo produzem correntes elétricas – propriedade que permitiu o desenvolvimento de geradores e motores elétricos, indispensáveis nos dias atuais. Há cerca de 2 mil anos, os chineses perceberam que essas “pedras com alma própria”, se deixadas livres para se movimentarem, tendiam a se alinhar em uma direção específica, servindo como um instrumento para orientação. Surgia a bússola, cujo funcionamento está baseado na interação entre os campos magnéticos do ímã e da Terra. Incorporada aos navios e utilizada para guiar longas viagens, essa tecnologia permitiu que os europeus fizessem a primeira grande exploração planetária da história, no século 15.

Os materiais magnéticos e suas interações com os campos magnéticos e elétricos permitiram o surgimento de muitas de nossas facilidades do cotidiano. 

Na segunda metade do mesmo século, em 1873, escocês James Clerck Maxwell unificou essas descobertas e mostrou também que a luz é uma forma de radiação eletromagnética, ou seja, ela ocorre devido às oscilações de campos elétricos e magnéticos. Alguns anos depois, em 1888, o físico alemão Henrich Rudolph Hertz produziu ondas eletromagnéticas, comprovando a teoria de Maxwell. Esses estudos logo se desdobraram em tecnologias, notadamente o desenvolvimento dos telégrafos sem fio e do rádio. Mesmo os celulares atuais ainda se valem desse conhecimento, recebendo e transmitindo informações para torres que se conectam entre si e com os satélites por meio de ondas eletromagnéticas.
Ainda no século 19, teve início o desenvolvimento dos primeiros aparelhos de gravação magnética. O engenheiro dinamarquês Valdemar Pouslen, em 1898, criou o primeiro gravador de voz magnetizando um fio de aço. Embora não fizesse gravações com a alta qualidade que exigimos hoje, o aparelho utilizava um princípio bastante simples: sendo o som da nossa voz uma propagação de ondas mecânicas no ar, o microfone captava essas perturbações, fazendo vibrar um ímã que magnetizava o fio de aço, passado lentamente. Para reproduzir o som, utilizava-se o processo inverso – o fio a se deslocar atraía ou afastava o ímã, fazendo com que ele produzisse uma vibração em uma superfície para gerar o som.

Magnetismo no mundo digital

Atualmente, os processos de gravação magnética são muito mais sofisticados e podemos utilizá-los para armazenar e processar informações. Os discos rígidos de computadores normalmente se valem desse processo, magnetizando pequenas regiões, na ordem de centenas de nanômetros de tamanho (um nanômetro equivale ao bilionésimo do metro). A gravação de cada informação é feita por meio da aplicação de campos magnéticos sobre o material que compõe os discos rígidos. Neles, as informações são gravadas na forma de um código binário, como uma sequência de “0” e “1” (pode-se representar, por exemplo, o “0” como um pequeno ímã com o polo norte apontando para cima, ou o “1” com o polo apontando para baixo).
Já para se ler as informações gravadas, utiliza-se uma tecnologia baseada no fenômeno quântico da magnetorresistência gigante, descoberta na década de 1980. Ela ocorre quando se produzem finas camadas de átomos, de apenas alguns nanômetros de espessura, alternando-se materiais magnéticos e não magnéticos. Dependendo do quanto as camadas magnéticas estiverem separadas, elas podem ficar com uma orientação paralela (ambas com os polos norte e sul na mesma direção) ou antiparalelas (cada camada com orientações opostas). 
No segundo caso, o de uma camada na situação antiparalela, ao fazermos com que uma corrente elétrica passe pelo material, observamos que este oferece uma determinada resistência à passagem da corrente. Ao aplicarmos um campo magnético à camada que está orientada na direção oposta, seus polos se invertem para se alinharem na direção em que o campo magnético está aplicado. Quando isso ocorre, a resistência à passagem da corrente elétrica deste material pode variar até dezenas de vezes.
Isso permitiu que a capacidade de armazenamento de informações nos computadores pessoais passasse de alguns megabytes, nos anos 1980, para terabytes nos dias atuais. Por essa descoberta, o físico francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg ganharam o prêmio Nobel de física em 2007.
A lista de tecnologias que utilizam fenômenos e materiais magnéticos é grande e inclui aparelhos de TV, fornos de micro-ondas e automóveis, entre outros. Além disso, descobertas recentes de novos materiais têm permitido o surgimento de novas aplicações e dispositivos. Enfim, a curiosidade humana por entender a natureza, alinhada à sua capacidade de inovar e inventar, permite que modifiquemos o nosso cotidiano com nossas criações. O grande desafio é fazer isso sempre pensando no bem estar da humanidade, pois as tecnologias, infelizmente, podem ser aplicadas também de maneiras perversas.
Adílson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos

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