A equação e a bomba atômica

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje On-line
publicado em 21/08/2015

Os dias 6 e 8 de agosto são datas que marcam dois dos piores eventos que aconteceram no século 20 e talvez em todos os tempos – um leitor mais antenado provavelmente já sabe do que estamos falando. Há exatos 70 anos, em 1945, a Segunda Guerra Mundial se encaminhava para o fim quando os norte-americanos detonaram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki duas bombas atômicas.
Na verdade, a Alemanha nazista havia sido derrotada e o Japão também caminhava para perder a guerra que travava no Pacífico contra os Estados Unidos e seus aliados. Porém, como em todas as guerras, aos vencedores coube contar a história. O que se relata, pois, é que havia poucas chances de os japoneses se renderem e, para vencer a disputa, milhões de soldados americanos e japoneses morreriam. A bomba, diz-se, evitaria essa batalha sangrenta. Fato é que a ação custou a vida de centenas de milhares de pessoas, não somente no momento da destruição, como também ao longo dos anos, devido aos efeitos da radiação.


A humanidade, podemos dizer, guarda um trauma deste episódio. Mas a necessidade ou não de se construir armas atômicas sempre foi um tema muito polêmico. Talvez o leitor já tenha ouvido falar que Albert Einstein, um dos maiores cientistas de todos os tempos e com notada atuação pacifista, escreveu, em agosto de 1939, uma carta para o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, sobre a possibilidade da construção de bombas atômicas. A ‘dica’ levou à criação do projeto Manhattan, no qual foram investidos 2 bilhões de dólares e o trabalho de centenas de pesquisadores e cientistas. Alguns anos depois, Einstein lamentou: “Cometi o maior erro da minha vida quando assinei a carta ao presidente Roosevelt recomendando que fossem construídas bombas atômicas”.

Energia e destruição

Até hoje algumas pessoas associam a criação da bomba atômica a Einstein, principalmente por causa da sua famosa equação E=mc2, que relaciona massa e energia. Essa equação mostra que uma pequena quantidade de matéria equivale a uma enorme quantidade de energia, uma vez que a constante que relaciona massa e energia é a velocidade da luz (300.000 km/s).
Ora, nas reações nucleares, ocorre a conversão de massa em energia. Um dos processos possíveis para isso é a fissão nuclear, na qual núcleos de átomos pesados como os de urânio ou plutônio, utilizados nas bombas detonadas sobre Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, são ‘quebrados’ em elementos mais leves a partir do bombardeio de nêutrons (partículas presentes nos núcleos atômicos, mas sem carga elétrica). Os produtos finais, por exemplo, da fissão do urânio com um nêutron são os átomos de estrôncio e xenônio e mais dois nêutrons, que, por sua vez, participam de uma nova reação, levando ao surgimento de um processo em cadeia.
Nos reatores nucleares, o processo é similar. Porém, diferentemente do que ocorre nas bombas atômicas, nos reatores a reação é controlada, de forma que a energia seja liberada de maneira moderada. Na bomba, o objetivo é precisamente liberar toda a energia de uma vez.
As bombas atômicas utilizadas na Segunda Guerra Mundial logo se tornaram obsoletas, pois novos artefatos nucleares foram produzidos, como a bomba de fusão nuclear, equivalente a milhares de bombas atômicas. O processo que ocorre nessas armas nucleares é complexo, mas, de uma maneira simplificada, podemos dizer que, em vez de se quebrar um núcleo atômico, o que ocorre é a fusão de núcleos leves em núcleos mais pesados.
Esse processo é semelhante ao que acontece no interior das estrelas. Por exemplo, quatro núcleos de hidrogênio (compostos por apenas um próton cada) reagem entre si produzindo um núcleo de hélio, que tem dois prótons e dois nêutrons. No processo, ocorre a transformação de dois prótons em nêutrons a partir da emissão de uma partícula de carga positiva e com massa igual a do elétron, chamada pósitron.
Para que essas reações aconteçam são necessárias altíssimas temperaturas, como as que existem no interior das estrelas. Para detonar uma bomba de fusão nuclear, é preciso produzir essas temperaturas, a partir da detonação de um artefato de fissão nuclear. Resumindo: a bomba atômica se torna o ‘pavio’ da bomba de fusão nuclear.
Tanto nos processos de fissão quanto nos de fusão nuclear os produtos das reações têm uma massa menor que a inicial. A massa faltante se transforma em energia, como prediz a equação E=mc2 – note-se, porém que Einstein, ao deduzir esta equação, estudava a energia em um contexto diferente, que nada tinha a ver com armas de destruição em massa.


Alcance inesperado

Em 1905, Einstein publicou o seu célebre artigo “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”, no qual apresentava uma proposta que tornava as equações do eletromagnetismo de James Clerck Maxwell compatíveis com a mecânica newtoniana. Para isso, Einstein mudou os conceitos de espaço e tempo, tornando-os relativos, e postulou que a velocidade da luz no vácuo é a mesma para qualquer referencial.
O famoso físico logo percebeu que, como a velocidade da luz é o limite do universo – pois as equações da relatividade mostravam que nessa velocidade os objetos colapsariam e o tempo pararia (veja a coluna “Sonhos de um jovem visionário”) –, para valer o conceito da conservação da energia, um corpo, ao se aproximar dessa velocidade, deveria ter a sua massa aumentada, ou seja, parte da energia se converteria em massa. Dessa hipótese surge a equação E=mc2, como ele apresenta no artigo “A inércia de um corpo depende do seu conteúdo energético?”, também publicado em 1905.
Hoje sabemos que a mais famosa equação da história da física pode nos ajudar a compreender coisas impressionantes, da detonação de armas nucleares aos processos estelares. No entanto, o próprio Einstein duvidava de todo o alcance de seu trabalho. Em carta ao seu amigo Conrad Habicht, chegou a escrever: ”O argumento é divertido e sedutor, mas, por tudo que conheço, o Senhor pode estar rindo de tudo isso e pregando uma peça em mim”.

Adilson de Oliveira

Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos

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