As leis humanas e as da física

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje On-line
publicada em 18/01/2013



A vida em sociedade leva-nos a obedecer regras de convivência. Em qualquer lugar, temos que seguir padrões determinados por critérios morais e de costume ou, em sociedades democráticas, pelos poderes constituídos por seus próprios cidadãos.
Chamamos as regras estabelecidas pelo governo ou por tribunais de ‘leis’, que têm por objetivo controlar e alterar nosso comportamento. Transgredir uma lei leva (quase) sempre a uma consequência, seja ela na forma de uma ação educativa, advertência, multa ou até prisão.
As leis humanas são, assim, definidas por meio de acordos que a própria sociedade estabelece. Dessa forma, algo que é proibido por lei em determinado país, pode não ser em outro.
Quando nos referimos a leis, é comum se mencionar as chamadas ‘leis da física’ ou ‘leis da natureza’. Mas existem, de fato, essas leis? Serão sempre válidas em todos os lugares e em todos os tempos?
Existem muitas leis e muitos princípios que foram elaborados no âmbito da física nas mais diferentes épocas. São famosas as três leis do movimento de Newton; as leis da termodinâmica; os princípios da conservação da energia, momento linear e angular, da relatividade, da invariância da velocidade da luz, entre tantos outros.
Como são muitos, vamos discutir apenas alguns destes para podermos entender melhor o que são essas leis e esses princípios e quais as semelhanças e diferenças entre eles e as leis do ponto de vista jurídico.

Princípios fundamentais

Um dos princípios mais importantes das nossas leis é que todos os cidadãos são iguais perante elas, independentemente de sexo, raça ou religião. Esse princípio é colocado como basilar na nossa Constituição e não pode ser alterado por nenhuma lei que venha a ser proposta.
No caso da física, um dos princípios mais fundamentais de todas as suas teorias é o princípio da conservação da energia. Em todos os processos físicos, químicos e biológicos, observamos que existe uma quantidade que se mantém constante perante todas as transformações, a qual definimos como energia.
Com base nesse princípio, podemos descrever diversos fenômenos físicos. Por exemplo, quando levantamos um objeto de 1 kg do chão a uma altura de 1 metro, o nosso corpo gasta energia (a qual obtemos dos alimentos) para realizar esse deslocamento. A maior parte dessa energia é transferida para o campo gravitacional da Terra, pois quando afastamos um objeto da superfície da Terra temos que vencer a força da gravidade que sempre o atrai. O resto é dissipado na forma de calor e consumido nos próprios processos de transformações que o nosso corpo realiza.
Nesse exemplo, a energia transferida para o campo gravitacional da Terra é da ordem de 10 joules. Joule é a unidade de medida de energia nomeada em homenagem ao físico britânico James Prescott Joule (1818-1889). Se soltarmos o objeto, ele começa a entrar em movimento e a energia que ficou armazenada no campo gravitacional se transforma em energia cinética (energia de movimento). Ele atingirá o solo a uma velocidade de aproximadamente 4,5 m/s ou 16 km/h. Como podemos ter certeza desses resultados?
O que torna válido qualquer princípio físico é a experiência. Em todos os experimentos realizados até hoje, a energia sempre se conserva. Ela se transforma de diferentes maneiras, mas seu valor total nunca se altera.
Da mesma forma que o princípio da igualdade contido na Constituição brasileira levou à formulação de diversas leis para garantir os direitos das pessoas, o princípio da conservação da energia permitiu que se fossem desenvolvidas inúmeras leis da física.
Uma delas é a primeira lei da termodinâmica, a qual afirma que a variação da energia em um corpo é igual a quantidade de calor que cede (ou recebe) mais (ou menos) o trabalho sobre ele (ou por ele realizado). A partir dessa lei, podemos explicar inúmeros fenômenos físicos e também desenvolver diversas tecnologias. Entre elas está a ideia de máquinas térmicas, sejam elas movidas por energia de origem química, elétrica ou nuclear.
A primeira lei da termodinâmica foi elaborada pelo físico e matemático alemão Rudolf Clausius (1822-1888) e por William Thomson (1824-1907), também conhecido como Lorde Kelvin. Sua formulação decorre dos experimentos e interpretações realizados não apenas por esses pesquisadores, mas por muitos outros.

Regulamentar x descrever


Na física, uma lei está necessariamente relacionada à forma que descrevemos determinado fenômeno. Por exemplo, a segunda lei de Newton, que relaciona a variação da quantidade de movimento de um corpo com a força resultante a ele aplicada, tem um certo limite de validade. Embora essa lei seja válida para encontrar a equação de movimento de corpos que vão desde um grão de areia a automóveis, aviões e até naves espaciais, quando ela é aplicada na escala atômica, os resultados previstos não são corretos, divergindo fortemente dos experimentos. Nessa escala muito pequena, as leis que descrevem os fenômenos são as leis da mecânica quântica.
Na mecânica quântica há uma grande mudança de paradigma, no qual não faz mais sentido descrever um evento físico em termos de uma equação de movimento. Os objetos na escala atômica – como elétrons, prótons e nêutrons – têm simultaneamente comportamento de partícula e de onda (veja a coluna 'Uma estranha forma de ver o mundo').
As leis da física não podem ser revogadas, como acontecem nas leis jurídicas. Podemos encontrar situações na qual elas não são mais válidas, o que leva a proposição de novas leis. Essa nova lei deve descrever novos fenômenos e, em alguns casos, até prever outros que ainda não foram observados. Contudo, ela também deve descrever com mais precisão os fenômenos que eram anteriormente descritos pela teoria anterior.
É como o caso citado da mecânica quântica em relação às leis de Newton. Descrever o movimento de um automóvel pelas leis da mecânica quântica é possível, mas exige um grau de complexidade tão grande que não vale a pena, pois a teoria newtoniana obtém resultados muito bons.
Enquanto as leis jurídicas são criadas pelo homem para regulamentar o nosso comportamento em sociedade, as leis da física não regulam os fenômenos, apenas os descrevem. Quando surgem novas situações, se for vontade da sociedade, podemos modificar as leis. No caso do surgimento de novos fenômenos físicos, temos que criar novas leis para descrevê-los, mas essa nova lei deve dar conta também dos fenômenos descritos pela teoria anterior. E assim vamos tentando compreender a natureza.

Adilson de OliveiraDepartamento de Física
Universidade Federal de São Carlos




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