E o mundo não se acabou!

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on line
Publicada em 21/12/2012


Há três anos, em novembro de 2009, escrevi uma coluna sobre as possibilidades do fim do mundo – ‘Quando será o fim do mundo?’. A motivação era o lançamento do filme2012, que descreve o fim do mundo acarretado por fenômenos ocorridos no Sol. No enredo do filme, um aumento na produção de neutrinos elevou a temperatura do núcleo da Terra, provocando enormes terremotos, maremotos e movimento dos continentes, que, por sua vez, levaram à destruição de grandes cidades, inclusive o Rio de Janeiro – em uma cena forte, o Cristo Redentor é completamente destruído.
Uma das grandes motivações do filme foi a descoberta de um calendário maia que indica o fim de um ciclo de 5.125 anos e a suposta possibilidade de o término desse ciclo estar associado a uma destruição catastrófica do nosso planeta, que iniciaria uma nova era. O dia exato do fim desse ciclo seria o dia 21 de dezembro de 2012 (a data exata em que esta coluna está sendo publicada!).
Contudo, se você está lendo este texto, é porque o mundo de fato não acabou. O Sol continua brilhando da mesma maneira que os últimos bilhões de anos e deve continuar assim pelo menos pelos próximos 5 bilhões.
O evento astronômico importante que está ocorrendo nesta data é o início do solstício de verão, que se inicia às 8 horas e 12 minutos (no horário de Brasília). A palavra solstício significa ‘sol parado’ e foi escolhida porque, nesse dia, o astro-rei nasce na posição mais ao sul. Depois, a cada dia, sua nascente começa a se deslocar até que, em 20 de março, chega exatamente no leste, dando início ao outono.
Durante o verão no hemisfério sul, essa parte do globo fica mais iluminada pelo Sol e por isso, nessa estação, temos os dias mais longos, as noites mais curtas e períodos mais quentes. O verão e as demais estações do ano ocorrem em função de o eixo de rotação da Terra estar inclinado em cerca de 23 graus em relação a uma reta perpendicular ao plano de órbita do nosso planeta, e não por ele se aproximar do Sol, como o senso comum alguma vezes supõe.

Vilões na ficção, inofensivos na realidade

O grande vilão do filme 2012, que provoca o fim do nosso mundo, são os neutrinos. Nesse momento, mais de 100 bilhões de neutrinos estão atravessando o seu corpo. Mas não se preocupe. Os neutrinos são partículas subatômicas inofensivas. Existem três tipos deles: o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o neutrino do tau.
O neutrino do elétron foi proposto teoricamente pelo físico alemão Wolfgang Pauli (1900-1958) em 1930, para poder explicar um fenômeno conhecido como decaimento beta, no qual um nêutron se transforma em um elétron (que tem carga elétrica negativa), um pósitron (partícula com mesma massa do elétron, mas com carga elétrica positiva) e um antineutrino do elétron (antipartícula do neutrino). Ele foi efetivamente observado em 1956. Os neutrinos dos múon e tau estão associados a essas partículas subatômicas e foram descobertos em experimentos realizados em grandes aceleradores de partículas.
O neutrino não possui carga elétrica e não se tem certeza do valor exato de sua massa, mas medidas indiretas sugerem que esta seja centenas de vezes menor que a massa do elétron. Ele interage com outras partículas somente por meio da força gravitacional e da nuclear fraca (duas das quatro interações fundamentais da natureza, ao lado da eletromagnética e da nuclear forte). É a segunda partícula mais abundante do universo, sendo a primeira o fóton, partícula da radiação eletromagnética, em particular a luz visível.
Os neutrinos podem ser produzidos em reatores nucleares, pelo processo de fissão nuclear, e no interior das estrelas, por processos de fusão nuclear – como acontece com o Sol. Há produção de grandes quantidades de neutrinos quando ocorre um evento astronômico chamado supernova.
Uma supernova é quando uma estrela com dezenas de vezes a massa do Sol chega ao seu ciclo final de vida e ‘explode’. Durante esse evento, uma estrela pode brilhar por meses mais do que uma galáxia inteira, ou seja, mais do que centenas de bilhões de estrelas juntas.
Se ocorresse a explosão de uma supernova nas vizinhanças do sistema solar, com certeza o nosso planeta correria riscos, pois, além dos inofensivos neutrinos, que não causariam nenhum mal a nós, grande parte da radiação produzida nesse fenômeno estaria na faixa dos raios gama, estes com energia muito alta, capaz de causar a destruição de todas as formas de vida na Terra. Contudo, nenhuma estrela vizinha a nós, na escala de centenas de anos-luz, corre o risco de se transformar em supernova nos próximos milhões de anos.
Curiosamente, os neutrinos estiveram em cena no ano de 2011, quando um grupo de cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, e do Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália, anunciaram que tinham medido neutrinos que viajaram mais rápido do que a luz.
Esse resultado, se fosse correto, teria abalado um dos pilares da física, a teoria da relatividade de Einstein, e muito do que sabemos deveria ser revisto. Contudo, meses depois foi verificado que havia um mau contato em um dos sistemas de detecção, o que gerou um erro na medida do tempo de voo dos neutrinos, induzindo a um resultado errôneo. (veja a coluna ‘Quem está correto, Dr. Einstein?’).

Ameaças remotas x preocupações reais

No Cern, temos o LHC (sigla, em inglês, de Grande Colisor de Hádrons), que também causou comoção quando foi inaugurado, pois algumas pessoas imaginaram que ele poderia produzir um buraco negro e engolir toda a Terra.
Os buracos negros são um dos estágios finais de vida de grandes estrelas e podem surgir como o resto de uma supernova. Nesse caso, a densidade de matéria é tão grande e a força gravitacional fica tão intensa que nem a luz é capaz de escapar dela (daí o nome de buraco negro).
Existem previsões teóricas de que poderiam surgir buracos negros microscópicos em condições de altas energias, mas eles evaporariam em questão de nanossegundos. Além disso, embora o LHC tenha atingido níveis de energia nunca antes observados, estes são muito pequenos quando comparados aos raios cósmicos que atingem continuamente a nossa atmosfera. Ou seja, se fosse possível surgir esses miniburacos negros, com certeza eles não durariam o suficiente para crescer e engolir o nosso planeta.
Os receios e temores com relação ao fim do mundo sempre existiram na cultura e nas religiões de diversos povos em todas as épocas da história. Como habitantes de um imenso universo, de fato estamos sujeitos a cataclismos que podem destruir a vida na Terra (como já houve em um passado distante). Contudo, na época em que vivemos, é mais fácil o homem danificar o meio ambiente de uma forma irreversível ou entrar em uma louca guerra nuclear que torne o nosso planeta inabitável do que um evento astronômico destruir o nosso planeta. Este, sim, deve ser o nosso maior temor.

Adilson de OliveiraDepartamento de Física
Universidade Federal de São Carlos




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