O futuro já chegou?
Coluna Física sem mistério.
Publicada em 15/01/2010
O ano de 2010 marca o final da primeira década do século 21. Em meados do século passado, por volta dos anos 1960 e 1970, imaginava-se que nessa primeira década viveríamos em um mundo muito avançado tecnologicamente quando comparado àqueles anos. Mas as obras de ficção científica, tanto no cinema como nos livros, fizeram muitas previsões que não se realizaram.
Há 50 anos, com o início da corrida espacial em consequência da Guerra Fria, imaginava-se que a humanidade iria atingir, na primeira década do século 21, um grau de desenvolvimento tecnológico do qual ainda estamos distantes. Acreditava-se que já teríamos viajado para outros planetas e que haveria cidades na Lua, carros voadores, entre outras coisas. Os livros do escritor britânico Arthur Clarke (1917-2008) 2001: uma odisseia no espaço e 2010: o ano em que faremos contato (que posteriormente se transformaram em filmes) retratam bem essa ideia.
maginava-se também que os computadores já teriam alcançado um grau de sofisticação que seriam capazes de pensar e tomar decisões, assim como os humanos, o que poderia resultar no domínio das máquinas. O computador HAL, do filme 2001, foi o grande exemplo, tanto que hoje ele ainda é copiado, inclusive em enredo de novela de televisão.
Entretanto, nesses 50 anos, muitas coisas que sequer eram previstas aconteceram. As descobertas da biologia molecular, da neurociência, da cosmologia e da física de partículas surpreenderiam os melhores autores. A internet – que inclusive permite a leitura deste artigo – era algo inimaginável e se tornou extremamente popular e acessível em praticamente todas as partes do planeta. Nunca houve uma época na qual a tecnologia estivesse tão presente no nosso dia a dia, e os progressos científicos nunca foram tão divulgados.
Mas, nessa mistura em que pode ficar difícil distinguir ficção de realidade, gostaria de destacar uma previsão que está se tornando mais real a cada dia. No dia 29 de dezembro de 1959, em um encontro da Sociedade Americana de Física organizado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), foi realizada uma palestra de um dos mais brilhantes físicos do século 20, Richard Feynman (1918-1988), com o título ‘Há muito espaço lá embaixo’. Nessa palestra, Feynman destacava, por exemplo, que a molécula de DNA (sigla em inglês para ácido desoxirribonucleico), que tem mais de um metro de comprimento, cabe no interior do núcleo celular e que necessitamos de microscópio para podermos enxergá-la.
Outro ponto importante que Feynman levantou foi a possibilidade de se projetar e criar novos materiais, com propriedades físicas e químicas inusitadas, mediante a manipulação direta de átomos. Como exemplo disso, o físico propôs que seria possível ter toda a informação contida na enciclopédia britânica na cabeça de um alfinete.
A estimativa feita por ele foi a seguinte: a cabeça de um alfinete tem o diâmetro de aproximadamente um milímetro e meio. Se fosse possível ampliá-lo 25 mil vezes, a área seria equivalente ao número de páginas da enciclopédia britânica. Dessa forma, se o tamanho das páginas da enciclopédia fosse reduzido 25 mil vezes, seria possível guardar todo esse conhecimento na cabeça de um alfinete. Para tanto, seria como se cada caractere fosse gravado por 10 átomos.
Embora essa seja uma dimensão muito pequena, ela pode ser medida e, portanto, não há nenhum impedimento físico que exclua a possibilidade levantada por Feynman. Essas ideias são consideradas hoje a inspiração da nanotecnologia e da nanociência, embora Feynman não tivesse citado o termo ‘nano’.
Consideram-se objetos nanométricos aqueles que têm tamanho de até 100 nanômetros (um nanômetro equivale a um bilionésimo do metro). Essa é a escala típica de estruturas atômicas. Atualmente é possível manipular estruturas moleculares para produzir novas drogas com características específicas, como também ‘empilhar’ átomos de forma a conseguir colocar em um único processador de computador bilhões de componentes eletrônicos, que permitem a fabricação de computadores pequenos, ágeis e baratos.
Em alguns anos, será possível obter em escala comercial transistores (componente básico da eletrônica) feitos de alguns átomos, como as estruturas de grafenos (estruturas bidimensionais de carbono), que deverão substituir o silício nas novas gerações de computadores desenvolvidas nessa escala muito pequena.
Hoje vemos que podemos estar muito além do que Feynman ou Clarke imaginavam na década de 1960. Não temos as cidades espaciais na Lua, mas conseguimos observar o universo quando ele ainda estava em formação. Conseguimos ‘esmagar’ partículas subatômicas em aceleradores como o LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons) e simular as condições iniciais dos instantes posteriores ao Big Bang, o evento que deu origem ao universo. Não conseguimos ter centenas de gigabytes na cabeça de um alfinete, mas podemos nos comunicar incrivelmente rápido e acessar uma enorme quantidade de informações em apenas alguns segundos.
É difícil prever o futuro, pois a capacidade humana de superar a sua própria imaginação é surpreendente. Contudo, o mais importante é que esse futuro que a cada dia construímos possa também ser um futuro no qual o conhecimento e a tecnologia estejam acessíveis a todas as pessoas. Somente dessa maneira poderemos atingir um futuro no qual o nosso mundo seja realmente melhor.
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A coluna Física Sem Mistério é publicada na 3a. sexta-feira do mês no Ciência Hoje-On line
Publicada em 15/01/2010
O ano de 2010 marca o final da primeira década do século 21. Em meados do século passado, por volta dos anos 1960 e 1970, imaginava-se que nessa primeira década viveríamos em um mundo muito avançado tecnologicamente quando comparado àqueles anos. Mas as obras de ficção científica, tanto no cinema como nos livros, fizeram muitas previsões que não se realizaram.
Há 50 anos, com o início da corrida espacial em consequência da Guerra Fria, imaginava-se que a humanidade iria atingir, na primeira década do século 21, um grau de desenvolvimento tecnológico do qual ainda estamos distantes. Acreditava-se que já teríamos viajado para outros planetas e que haveria cidades na Lua, carros voadores, entre outras coisas. Os livros do escritor britânico Arthur Clarke (1917-2008) 2001: uma odisseia no espaço e 2010: o ano em que faremos contato (que posteriormente se transformaram em filmes) retratam bem essa ideia.
maginava-se também que os computadores já teriam alcançado um grau de sofisticação que seriam capazes de pensar e tomar decisões, assim como os humanos, o que poderia resultar no domínio das máquinas. O computador HAL, do filme 2001, foi o grande exemplo, tanto que hoje ele ainda é copiado, inclusive em enredo de novela de televisão.
Entretanto, nesses 50 anos, muitas coisas que sequer eram previstas aconteceram. As descobertas da biologia molecular, da neurociência, da cosmologia e da física de partículas surpreenderiam os melhores autores. A internet – que inclusive permite a leitura deste artigo – era algo inimaginável e se tornou extremamente popular e acessível em praticamente todas as partes do planeta. Nunca houve uma época na qual a tecnologia estivesse tão presente no nosso dia a dia, e os progressos científicos nunca foram tão divulgados.
Da ficção à realidade
Mas, nessa mistura em que pode ficar difícil distinguir ficção de realidade, gostaria de destacar uma previsão que está se tornando mais real a cada dia. No dia 29 de dezembro de 1959, em um encontro da Sociedade Americana de Física organizado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), foi realizada uma palestra de um dos mais brilhantes físicos do século 20, Richard Feynman (1918-1988), com o título ‘Há muito espaço lá embaixo’. Nessa palestra, Feynman destacava, por exemplo, que a molécula de DNA (sigla em inglês para ácido desoxirribonucleico), que tem mais de um metro de comprimento, cabe no interior do núcleo celular e que necessitamos de microscópio para podermos enxergá-la.
Outro ponto importante que Feynman levantou foi a possibilidade de se projetar e criar novos materiais, com propriedades físicas e químicas inusitadas, mediante a manipulação direta de átomos. Como exemplo disso, o físico propôs que seria possível ter toda a informação contida na enciclopédia britânica na cabeça de um alfinete.
A estimativa feita por ele foi a seguinte: a cabeça de um alfinete tem o diâmetro de aproximadamente um milímetro e meio. Se fosse possível ampliá-lo 25 mil vezes, a área seria equivalente ao número de páginas da enciclopédia britânica. Dessa forma, se o tamanho das páginas da enciclopédia fosse reduzido 25 mil vezes, seria possível guardar todo esse conhecimento na cabeça de um alfinete. Para tanto, seria como se cada caractere fosse gravado por 10 átomos.
Embora essa seja uma dimensão muito pequena, ela pode ser medida e, portanto, não há nenhum impedimento físico que exclua a possibilidade levantada por Feynman. Essas ideias são consideradas hoje a inspiração da nanotecnologia e da nanociência, embora Feynman não tivesse citado o termo ‘nano’.
Nanotecnologia materializada
Consideram-se objetos nanométricos aqueles que têm tamanho de até 100 nanômetros (um nanômetro equivale a um bilionésimo do metro). Essa é a escala típica de estruturas atômicas. Atualmente é possível manipular estruturas moleculares para produzir novas drogas com características específicas, como também ‘empilhar’ átomos de forma a conseguir colocar em um único processador de computador bilhões de componentes eletrônicos, que permitem a fabricação de computadores pequenos, ágeis e baratos.
Em alguns anos, será possível obter em escala comercial transistores (componente básico da eletrônica) feitos de alguns átomos, como as estruturas de grafenos (estruturas bidimensionais de carbono), que deverão substituir o silício nas novas gerações de computadores desenvolvidas nessa escala muito pequena.
Hoje vemos que podemos estar muito além do que Feynman ou Clarke imaginavam na década de 1960. Não temos as cidades espaciais na Lua, mas conseguimos observar o universo quando ele ainda estava em formação. Conseguimos ‘esmagar’ partículas subatômicas em aceleradores como o LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons) e simular as condições iniciais dos instantes posteriores ao Big Bang, o evento que deu origem ao universo. Não conseguimos ter centenas de gigabytes na cabeça de um alfinete, mas podemos nos comunicar incrivelmente rápido e acessar uma enorme quantidade de informações em apenas alguns segundos.
É difícil prever o futuro, pois a capacidade humana de superar a sua própria imaginação é surpreendente. Contudo, o mais importante é que esse futuro que a cada dia construímos possa também ser um futuro no qual o conhecimento e a tecnologia estejam acessíveis a todas as pessoas. Somente dessa maneira poderemos atingir um futuro no qual o nosso mundo seja realmente melhor.
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A coluna Física Sem Mistério é publicada na 3a. sexta-feira do mês no Ciência Hoje-On line
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