O mensageiro das estrelas

Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
16/01/2009

Em época de férias, temos a chance de sair um pouco de nossa rotina. No verão, a procura é maior pelo litoral, principalmente nas cidades mais agitadas. Porém, alguns escolhem lugares isolados e distantes dos grandes centros, geralmente no interior ou em praias mais afastadas. Além da tranquilidade e sossego, essas localidades permitem observar o céu de uma forma que não é mais possível na maioria das cidades. Infelizmente, a poluição luminosa esconde um belo espetáculo. É uma pena, pois olhar para um céu estrelado é uma experiência que costuma ficar marcada para sempre em nossa memória.

Observar o céu talvez seja uma das mais antigas atividades humanas. Desde o florescer da consciência, o homem primitivo admirava as estrelas e outros fenômenos astronômicos, como estrelas cadentes (que não passam de meteoros cruzando a atmosfera terrestre), as fases da Lua e eclipses solares e lunares. Muitos desses eventos foram registrados na forma de pinturas rupestres nos interiores de cavernas.

Como esses fenômenos não eram compreendidos, suas causas eram atribuídas a intervenções divinas. Por esse motivo, vários povos imaginavam que as configurações de estrelas representassem mitos e divindades. Essas disposições de estrelas são chamadas de constelações. Praticamente todas as civilizações representaram, em determinada época, as suas crenças, deuses, e mitos nas estrelas. A humanidade aprendeu a contar as suas histórias com estrelas.

A maioria das atuais constelações vem desde a Grécia Antiga. Os gregos perceberam também que alguns dos pontos brilhantes no céu não permaneciam no mesmo lugar, mas ‘caminhavam’ entre as estrelas. A estes corpos eles deram o nome de “planetas”, que significa “corpos errantes”. As formas das constelações e o nome dos planetas foram dados em função das suas lendas e mitos. Por exemplo, o maior planeta do Sistema Solar recebe o nome da divindade romana Júpiter (o equivalente do grego Zeus), que era considerado o rei dos deuses.

Ampliando o alcance da visão
Há cerca de 400 anos a única forma de se observar o céu era a olho nu. Entretanto, uma pessoa com extraordinário talento descobriu que poderia utilizar uma combinação de lentes para ampliar o alcance da sua visão. Ele recebera a notícia que, em outubro de 1608, o fabricante de lente holandês Hans Lippershey (1570-1619) havia patenteado um aparelho que permitia fazer que objetos distantes parecessem mais próximos. Em pouco tempo ele construiu o seu próprio instrumento que aumentava nove vezes. Em menos de um ano construiu um outro que aumentava cerca de 30 vezes. Ao apontar para o firmamento esses equipamento, o céu nunca mais foi o mesmo. O responsável por essa revolução: o italiano Galileu Galilei (1564-1642).

As primeiras observações de Galileu foram feitas no ano de 1609. Utilizando a luneta que construíra, ele descobriu um novo universo inimaginado totalmente desconhecido na época. Em particular, ele descobriu que existiam montanhas e crateras na Lua e que a forma desta não era perfeita, como imaginavam os filósofos gregos. (Estudos recentes indicam que o britânico Thomas Harriot (1560-1621) pode ter usado o telescópio para observações da Lua alguns meses antes de Galileu.)

A partir das sombras projetadas pelas montanhas, Galileu pôde estimar até sua altura. Na época, ele estimou que as montanhas lunares fossem maiores que as terrestres. Contudo, no início do século 17 ainda não se conheciam direito o Himalaia e os Andes e Galileu comparou a altura em relação aos planaltos vizinhos às montanhas, e não ao nível do mar. A maior montanha da Lua conhecida hoje, com 5,5 km de altura, é o monte Huygens, nome dado em homenagem ao astrônomo holandês Christiaan Huygens (1629-1695).

As descobertas de Galileu foram muito além das observações lunares. Ao apontar sua luneta para as constelações, ele pôde observar que existiam muito mais estrelas do que os olhos podiam ver. Ele também constatou que a nebulosidade leitosa da Via-Láctea consistia em milhares de estrelas. Em alguns meses, o universo conhecido se expandiu de uma forma nunca antes feita.

Entretanto, o maior feito de Galileu naquela época foi, segundo a ele próprio, a descoberta de “novos planetas” ao redor de Júpiter. Galileu descobriu quarto satélites na órbita desse planeta em janeiro de 1610. Eles receberam a denominação de Io, Europa, Ganimedes e Calisto.

Marco importante
Hoje, o feito de Galileu pode ser repetido por qualquer câmera digital de baixo custo. No entanto, há 400 anos, este foi um dos marcos mais importantes da ciência. Na época existia a discussão entre o sistema geocêntrico e o heliocêntrico. O primeiro advogava que a Terra estava no centro do universo e que todos os corpos celestes giravam ao seu redor. O segundo defendia que o Sol era o centro e não a Terra: todos os planetas giravam em torno dele – com exceção da Lua, que orbitava a Terra.

A descoberta de Galileu mostrou que existiam outros corpos circulando outros planetas. Além disso, em observações posteriores, ele mostrou que os planetas Mercúrio e Vênus apresentavam fases semelhantes às da Lua. Isso somente poderia acontecer se estes planetas orbitassem o Sol.

Galileu foi o grande defensor do sistema heliocêntrico. A sua tenacidade em defender suas ideias levou-o a ser perseguido pela Igreja, sendo condenado a abjurar publicamente tudo o que defendera fervorosamente. Por isso, em 22 de junho de 1633, há 375 anos, aos 70 anos de idade, Galileu teve que ler uma confissão perante o Santo Ofício da Inquisição.

Uma lenda diz que, ainda postado de joelhos após ler a negação de tudo que tinha defendido durante a vida, ao levantar-se, Galileu murmurou: “E pur, si muove!” – “e, no entanto, ela se move!”. Ele passou o resto da sua vida em prisão domiciliar e morreu cego no dia 8 de janeiro de 1642, na cidade de Florença, Itália, aos 78 anos.

A condenação de Galileu somente foi reconhecida formalmente como um erro pelo Vaticano em 31 de outubro de 1992, no final do século 20. Nessa época, já fazia 23 anos que o homem tinha ido à Lua e as espaçonaves Voyager 1 e 2 já tinham explorado Júpiter e enviando fotos espetaculares das Luas descobertas por Galileu.

2009 foi declarado o Ano Internacional da Astronomia para comemorar os 400 anos das primeiras observações de Galileu. As descobertas astronômicas aqui apresentadas foram reunidas em um pequeno livro publicado em março de 1610 chamado Sidereus Nuncius – “O mensageiro das estrelas”.

O recado que o mensageiro trouxe foi sem dúvida um dos mais importantes da ciência. A ousadia de Galileu de enxergar mais longe nos levou para mais próximo das estrelas e ainda hoje inspira muitos amantes da astronomia.

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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar


Comentários

  1. Anônimo10:21 PM

    Professor Adilson,parabéns! Seus textos são uma beleza ! Eu que adoro as questões da Física fico maravilhado e tenho aprendido muito. Obrigado por fazeres isto que fazes.

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  2. Obrigado pelo comentário.
    Estamos sempre nos esforçando.
    Um abraço
    Adilson

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