Bem-vindos à estação do astro-rei
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
19/12/2008
Nos próximos dias, para os habitantes do hemisfério Sul, começará uma das estações mais esperadas, associada às épocas de festas e férias. No dia 21 de dezembro, às 10h04min (horário de Brasília), terá início o solstício de verão. A palavra solstício significa “sol parado” e foi dada porque, nesse dia, o astro-rei nascerá na posição mais ao sul e, a partir de então, sua nascente começará a se deslocar até que, no dia 20 de março de 2009, chegue exatamente no leste.
Embora o senso comum diga que o Sol nasce no leste todos os dias, esse fenômeno somente ocorre em dois dias do ano: no início da primavera e do outono. No dia 21 de dezembro, poderemos perceber que, ao nascer, o Sol estará bem distante do leste. Se estivéssemos na região mais ao norte da Antártida, veríamos o Sol nascer no sul e não no leste.
As estações do ano sempre influenciaram as atividades humanas. A diferença de iluminação do globo ocorre porque o eixo de rotação da Terra é inclinado em aproximadamente 23 graus em relação a uma reta perpendicular ao plano de sua órbita.
Os povos primitivos sabiam da importância do Sol na sua existência. Grande parte desses povos tinha o Sol como uma divindade, responsável pela preservação da vida. Períodos muito quentes levavam a secas e períodos com pouca luz, a invernos rigorosos. Dessa maneira, era comum serem feitos sacrifícios (inclusive humanos) para acalmar a fúria do astro-rei. Com a passagem do tempo, começou-se a perceber que essas mudanças eram periódicas e possíveis de se prever.
Fonte primária de energia
A importância do Sol vai além da luminosidade e do conforto térmico por ele proporcionados. Praticamente toda a energia utilizada pela humanidade tem o Sol como fonte primária. Por exemplo, a energia que extraímos dos alimentos foi acumulada nas ligações químicas produzidas pelas plantas durante o processo de fotossíntese. Esse processo ocorre quando as plantas utilizam energia da luz solar para converter dióxido de carbono, água e minerais em compostos orgânicos e oxigênio gasoso.
Ao ingerir alimentos, os organismos os transformam, com processos digestórios, em moléculas que permitirão às células extrair essa energia química e garantir a manutenção da vida. Ao comer alimentos de origem animal, também se obtém energia, armazenada na forma de gorduras, açúcares e proteínas.
A energia da biomassa, cada dia mais utilizada, também é obtida a partir da fotossíntese. O álcool extraído da cana-de-açúcar e o biodisel dos óleos vegetais têm a vantagem de que o gás carbônico liberado da sua queima no interior dos motores é incorporado novamente pelas plantas para a realização de um novo ciclo, minimizando os efeitos do aquecimento global.
Muitos outros processos utilizam a energia advinda do Sol. Nas hidrelétricas, por exemplo, a luz solar influencia o ciclo de chuvas que enchem os reservatórios. Já o petróleo é formado pelo processo decomposição de matéria orgânica, restos vegetais, algas, alguns tipos de plâncton e restos de animais marinhos – ocorrido durante centenas de milhões de anos no subsolo. Mas como o Sol produz energia?
Interações nucleares
O Sol é um imenso corpo com massa de aproximadamente 10 31 kg (10 seguido de 31 zeros), composto basicamente por hidrogênio e hélio (os elementos mais abundantes do universo). Essa enorme quantidade de massa gera uma força gravitacional que o comprime e, como conseqüência, aumenta a temperatura no seu interior. No núcleo, a temperatura é da ordem de milhões de graus, fazendo com que os átomos ali presentes fiquem totalmente ionizados, ou seja, no estado de plasma.
Nessa situação, os elétrons, que normalmente estariam ao redor do núcleo, são arrancados das suas órbitas, sobrando apenas um “caroço” carregado positivamente. No caso do hidrogênio, há apenas um próton (partícula com carga elétrica positiva); já os átomos de hélio têm dois prótons e dois nêutrons (partículas sem carga elétrica).
Em altíssimas temperaturas, esses núcleos movem-se velozmente e colidem constantemente. Quando isso ocorre, formam-se novos elementos por meio de um processo chamado de fusão nuclear.
O fato de os núcleos atômicos terem cargas elétricas positivas faz com que surja uma força elétrica repulsiva quando eles se aproximam (cargas de mesmo sinal se repelem). Mas, como a alta temperatura fornece grande quantidade de energia de movimento, os núcleos se aproximam suficientemente para que outra força fundamental da natureza – a força nuclear forte – entre em ação e vença a repulsão elétrica. Essa força tem um alcance muito curto, da ordem de 10 -15 m, e é a responsável pela coesão dos núcleos atômicos.
No caso Sol, o processo predominante é o chamado ciclo do hidrogênio, por meio do qual quatro desses átomos interagem e se transformam em um átomo de hélio. Para isso, dois prótons (que são núcleos dos átomos de hidrogênio) se transformam em dois nêutrons. Para que haja a conservação da carga elétrica, ocorre a emissão de duas partículas com massa igual à do elétron, mas com carga positiva (o pósitron).
Equação da energia
O átomo de hélio e as partículas produzidas nesse processo têm massa menor do que a dos quatro átomos de hidrogênio que deram início à reação. Essa diferença de massa é convertida em energia, como previsto pela famosa equação do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), E=mc 2 , na qual m é a diferença de massa e c, a velocidade da luz. Como c tem um valor muito grande, uma pequena quantidade de massa equivale a uma enorme quantidade de energia.
A cada minuto, 36 bilhões de toneladas de hidrogênio estão sendo transformadas em hélio no Sol, liberando uma energia equivalente à queima de 8×10 20 (8 seguido por 20 zeros) litros de gasolina por minuto, ou a mais de 10 milhões de vezes a produção anual de petróleo da Terra. Ao gerar toda essa energia, o Sol equilibra a força gravitacional e fica estável por uma escala de aproximadamente 10 bilhões de anos.
Esse processo que ocorre no Sol é similar ao que acontece na maioria das estrelas. Atualmente sabemos que muitas delas possuem planetas ao seu redor. Dependendo da distância que separa esses astros das estrelas, eles podem receber quantidades apreciáveis de energia.
É possível que, em alguns deles, essa energia possa ter impulsionado a eclosão da vida e até sustentado formas complexas como a nossa. Talvez alguns desses supostos habitantes também estejam esperando o início de um verão e também reverenciem a importância da luz do seu sol, como os belos versos de Caetano Veloso: “Luz do Sol/ Que a folha traga e traduz/ Em verde de novo/ Em folha, em graça, em vida em força em luz.”
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Publicada no Ciência Hoje On-line
19/12/2008
Nos próximos dias, para os habitantes do hemisfério Sul, começará uma das estações mais esperadas, associada às épocas de festas e férias. No dia 21 de dezembro, às 10h04min (horário de Brasília), terá início o solstício de verão. A palavra solstício significa “sol parado” e foi dada porque, nesse dia, o astro-rei nascerá na posição mais ao sul e, a partir de então, sua nascente começará a se deslocar até que, no dia 20 de março de 2009, chegue exatamente no leste.
Embora o senso comum diga que o Sol nasce no leste todos os dias, esse fenômeno somente ocorre em dois dias do ano: no início da primavera e do outono. No dia 21 de dezembro, poderemos perceber que, ao nascer, o Sol estará bem distante do leste. Se estivéssemos na região mais ao norte da Antártida, veríamos o Sol nascer no sul e não no leste.
As estações do ano sempre influenciaram as atividades humanas. A diferença de iluminação do globo ocorre porque o eixo de rotação da Terra é inclinado em aproximadamente 23 graus em relação a uma reta perpendicular ao plano de sua órbita.
Os povos primitivos sabiam da importância do Sol na sua existência. Grande parte desses povos tinha o Sol como uma divindade, responsável pela preservação da vida. Períodos muito quentes levavam a secas e períodos com pouca luz, a invernos rigorosos. Dessa maneira, era comum serem feitos sacrifícios (inclusive humanos) para acalmar a fúria do astro-rei. Com a passagem do tempo, começou-se a perceber que essas mudanças eram periódicas e possíveis de se prever.
Fonte primária de energia
A importância do Sol vai além da luminosidade e do conforto térmico por ele proporcionados. Praticamente toda a energia utilizada pela humanidade tem o Sol como fonte primária. Por exemplo, a energia que extraímos dos alimentos foi acumulada nas ligações químicas produzidas pelas plantas durante o processo de fotossíntese. Esse processo ocorre quando as plantas utilizam energia da luz solar para converter dióxido de carbono, água e minerais em compostos orgânicos e oxigênio gasoso.
Ao ingerir alimentos, os organismos os transformam, com processos digestórios, em moléculas que permitirão às células extrair essa energia química e garantir a manutenção da vida. Ao comer alimentos de origem animal, também se obtém energia, armazenada na forma de gorduras, açúcares e proteínas.
A energia da biomassa, cada dia mais utilizada, também é obtida a partir da fotossíntese. O álcool extraído da cana-de-açúcar e o biodisel dos óleos vegetais têm a vantagem de que o gás carbônico liberado da sua queima no interior dos motores é incorporado novamente pelas plantas para a realização de um novo ciclo, minimizando os efeitos do aquecimento global.
Muitos outros processos utilizam a energia advinda do Sol. Nas hidrelétricas, por exemplo, a luz solar influencia o ciclo de chuvas que enchem os reservatórios. Já o petróleo é formado pelo processo decomposição de matéria orgânica, restos vegetais, algas, alguns tipos de plâncton e restos de animais marinhos – ocorrido durante centenas de milhões de anos no subsolo. Mas como o Sol produz energia?
Interações nucleares
O Sol é um imenso corpo com massa de aproximadamente 10 31 kg (10 seguido de 31 zeros), composto basicamente por hidrogênio e hélio (os elementos mais abundantes do universo). Essa enorme quantidade de massa gera uma força gravitacional que o comprime e, como conseqüência, aumenta a temperatura no seu interior. No núcleo, a temperatura é da ordem de milhões de graus, fazendo com que os átomos ali presentes fiquem totalmente ionizados, ou seja, no estado de plasma.
Nessa situação, os elétrons, que normalmente estariam ao redor do núcleo, são arrancados das suas órbitas, sobrando apenas um “caroço” carregado positivamente. No caso do hidrogênio, há apenas um próton (partícula com carga elétrica positiva); já os átomos de hélio têm dois prótons e dois nêutrons (partículas sem carga elétrica).
Em altíssimas temperaturas, esses núcleos movem-se velozmente e colidem constantemente. Quando isso ocorre, formam-se novos elementos por meio de um processo chamado de fusão nuclear.
O fato de os núcleos atômicos terem cargas elétricas positivas faz com que surja uma força elétrica repulsiva quando eles se aproximam (cargas de mesmo sinal se repelem). Mas, como a alta temperatura fornece grande quantidade de energia de movimento, os núcleos se aproximam suficientemente para que outra força fundamental da natureza – a força nuclear forte – entre em ação e vença a repulsão elétrica. Essa força tem um alcance muito curto, da ordem de 10 -15 m, e é a responsável pela coesão dos núcleos atômicos.
No caso Sol, o processo predominante é o chamado ciclo do hidrogênio, por meio do qual quatro desses átomos interagem e se transformam em um átomo de hélio. Para isso, dois prótons (que são núcleos dos átomos de hidrogênio) se transformam em dois nêutrons. Para que haja a conservação da carga elétrica, ocorre a emissão de duas partículas com massa igual à do elétron, mas com carga positiva (o pósitron).
Equação da energia
O átomo de hélio e as partículas produzidas nesse processo têm massa menor do que a dos quatro átomos de hidrogênio que deram início à reação. Essa diferença de massa é convertida em energia, como previsto pela famosa equação do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), E=mc 2 , na qual m é a diferença de massa e c, a velocidade da luz. Como c tem um valor muito grande, uma pequena quantidade de massa equivale a uma enorme quantidade de energia.
A cada minuto, 36 bilhões de toneladas de hidrogênio estão sendo transformadas em hélio no Sol, liberando uma energia equivalente à queima de 8×10 20 (8 seguido por 20 zeros) litros de gasolina por minuto, ou a mais de 10 milhões de vezes a produção anual de petróleo da Terra. Ao gerar toda essa energia, o Sol equilibra a força gravitacional e fica estável por uma escala de aproximadamente 10 bilhões de anos.
Esse processo que ocorre no Sol é similar ao que acontece na maioria das estrelas. Atualmente sabemos que muitas delas possuem planetas ao seu redor. Dependendo da distância que separa esses astros das estrelas, eles podem receber quantidades apreciáveis de energia.
É possível que, em alguns deles, essa energia possa ter impulsionado a eclosão da vida e até sustentado formas complexas como a nossa. Talvez alguns desses supostos habitantes também estejam esperando o início de um verão e também reverenciem a importância da luz do seu sol, como os belos versos de Caetano Veloso: “Luz do Sol/ Que a folha traga e traduz/ Em verde de novo/ Em folha, em graça, em vida em força em luz.”
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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