O alcance da nossa visão
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
18/04/2008
O ser humano é uma criatura que aprende com a observação. Nossa percepção do mundo se estabelece por meio do contato sensorial. Utilizamos os cinco sentidos para construir uma interpretação da realidade do mundo. De todos eles, aquele em que mais confiamos é a visão. Quando podemos ver alguma coisa, conseguimos compreendê-la melhor; se pudermos apenas ouvir, cheirar, provar ou sentir com o tato, talvez tenhamos uma idéia errada do que se trata.
Aqueles que, por algum motivo, foram privados desse sentido, têm uma percepção diferente do mundo. Isso não quer dizer que ela seja errada – é apenas diferente. Para quem é deficiente visual desde o nascimento, é extremamente difícil imaginar o que seja, por exemplo, uma rosa vermelha. Ele pode sentir a fragrância da flor e até reconhecê-la pelo tato, mas a cor permanecerá um mistério. Ele poderá associar a cor a outras sensações, mas essa característica será apenas uma representação arbitrária para ele.
Da mesma forma, na ciência – e na física, em particular –, quando não conseguimos observar diretamente um objeto ou fenômeno, temos que criar uma representação para entendê-lo. De maneira similar ao cego, imaginamos algo que possa representar aquilo que não podemos observar diretamente. Para confirmar o que de fato estamos observando, precisamos utilizar algum aparelho que vá além da nossa capacidade sensorial.
Um dos equipamentos que podem ampliar o nosso limite de visão é o telescópio. Ao olharmos para o céu noturno, podemos observar milhares de estrelas. Para os nossos olhos, elas são apenas pontos brilhantes incrustados em um véu escuro. Não é à toa que alguns povos antigos acreditavam exatamente nisso.
Só começamos a ter uma idéia mais precisa da natureza desses astros quando, no início do século 17, Galileu Galilei (1564-1642) apontou para o céu uma pequena luneta construída por ele mesmo, com uma lente de apenas alguns centímetros de diâmetro, que lhe permitiu um aumento de 30 vezes. Pode parecer pouco, mas foi um grande passo para ampliar nossos horizontes. Ele descobriu, por exemplo, que Júpiter era rodeado por quatro pequenos pontos luminosos, que foram identificados como luas daquele planeta.
“Grande olho”
Os telescópios e lunetas conseguem ampliar a nossa visão do céu porque funcionam como se fossem um “grande olho”. A pupila do olho humano, quando adaptada ao escuro, se dilata e atinge aproximadamente 7 mm de diâmetro. Os maiores telescópios do mundo têm espelhos com 10 metros de diâmetro, como os que existem no Havaí e nas Ilhas Canárias, na Espanha.
Com uma conta simples, percebemos que esses telescópios têm uma área cerca de dois milhões de vezes maior que a nossa pupila e, portanto, conseguem captar dois milhões de vezes mais luz. Esses gigantescos olhos conseguem observar objetos muito distantes e pouco luminosos. Além disso, eles são capazes de captar a luz de um mesmo objeto ao longo muitas horas, diferentemente dos nossos olhos, que captam por apenas um instante.
Da mesma maneira que não conseguimos enxergar objetos como galáxias distantes sem o auxílio do telescópio, tampouco conseguimos enxergar as coisas muito pequenas. Pessoas com excelente visão conseguem observar objetos com apenas alguns décimos ou centésimos de milímetro. Entretanto, sabemos que existem coisas muito menores.
O microscópio ótico trouxe um grande avanço para o conhecimento de objetos que têm a dimensão de alguns mícrons (daí o nome do aparelho). O físico inglês Rober Hooke (1635-1702), por exemplo, batizou de células as pequenas estruturas que ele observou na cortiça por meio de um microscópio. Posteriormente, ao observar fragmentos de plantas, ele descobriu que as células possuíam núcleo. Os microscópios óticos atuais aumentam a imagem na ordem de mil vezes.
Um grande avanço ocorreu com a invenção do microscópio eletrônico no começo da década de 1930. Esse equipamento não utiliza a luz para gerar as imagens, mas sim elétrons que são emitidos por um filamento e espalhados pela superfície do material. Existem outros tipos de microscópios eletrônicos que utilizam, por exemplo, o chamado efeito túnel, no qual uma ponta com alguns mícrons de espessura passa sobre a superfície do material e, quando um elétron “salta” da superfície para a ponta, produz uma voltagem que permite a construção da imagem.
Escala atômica e subatômica
Os microscópios eletrônicos permitem observar objetos na escala atômica, pois têm uma resolução de ordem nanométrica. Porém, se quisermos observar a matéria em escala ainda menor, podemos recorrer a outras ferramentas, como os raios-X, em particular os que são produzidos em máquinas síncrotron.
Esses equipamentos fazem com que um feixe de elétrons viaje dentro de um grande anel com velocidades próximas à da luz. Quando os elétrons fazem uma curva, parte da sua energia é emitida na forma de radiação. Geralmente, essas máquinas são construídas para que a radiação seja emitida na faixa do raios-X, como é o caso da máquina brasileira que existe no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), localizado em Campinas (SP).
A máquina brasileira tem um anel com o diâmetro de aproximadamente 100 metros. Já o do equipamento usado na Instalação Européia de Radiação Síncrotron (ESRF, na sigla em inglês), em Grenoble, na França, é da ordem de 1 quilômetro. Em ambas as máquinas, é possível conhecer a estrutura dos átomos e moléculas, o que permite entender por que muitos materiais apresentam determinadas propriedades físicas e químicas.
O custo de construção e operação dessas máquinas gigantes é da ordem de milhões de dólares. Ainda assim, elas não permitem olhar na escala mais interna da matéria, ou seja, a das partículas elementares. Para tanto, é preciso utilizar outros tipos de equipamentos, como os aceleradores de partículas. Nessas máquinas, núcleos atômicos são atirados uns contra os outros com quantidades fantásticas de energia.
Esses experimentos já permitiram detectar a presença de mais de uma centena de partículas elementares que somente existem nessas condições extremas. Neste ano, espera-se que o LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês) entre em funcionamento. Com essa máquina de 27 quilômetros de circunferência enterrada a mais de 100 metros da superfície, os cientistas esperam responder diversas questões ainda não esclarecidas pelos nossos meios atuais de observação.
Em particular, espera-se que ele lance alguma luz sobre a compreensão da existência da matéria que surgiu no evento do Big-Bang, há cerca de 14 bilhões de anos. De uma maneira que até parece paradoxal, para compreender os confins do universo, precisamos esmiuçar a matéria em sua escala mais ínfima.
Talvez essa busca nunca tenha fim. Cada vez que olhamos para as escalas maiores e menores, sempre descobrimos algo novo. Talvez o horizonte que alcançamos até agora seja muito estreito. Em todo caso, com certeza não é limitada nossa capacidade de procurar olhar para além dos nossos limites humanos.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Publicada no Ciência Hoje On-line
18/04/2008
O ser humano é uma criatura que aprende com a observação. Nossa percepção do mundo se estabelece por meio do contato sensorial. Utilizamos os cinco sentidos para construir uma interpretação da realidade do mundo. De todos eles, aquele em que mais confiamos é a visão. Quando podemos ver alguma coisa, conseguimos compreendê-la melhor; se pudermos apenas ouvir, cheirar, provar ou sentir com o tato, talvez tenhamos uma idéia errada do que se trata.
Aqueles que, por algum motivo, foram privados desse sentido, têm uma percepção diferente do mundo. Isso não quer dizer que ela seja errada – é apenas diferente. Para quem é deficiente visual desde o nascimento, é extremamente difícil imaginar o que seja, por exemplo, uma rosa vermelha. Ele pode sentir a fragrância da flor e até reconhecê-la pelo tato, mas a cor permanecerá um mistério. Ele poderá associar a cor a outras sensações, mas essa característica será apenas uma representação arbitrária para ele.
Da mesma forma, na ciência – e na física, em particular –, quando não conseguimos observar diretamente um objeto ou fenômeno, temos que criar uma representação para entendê-lo. De maneira similar ao cego, imaginamos algo que possa representar aquilo que não podemos observar diretamente. Para confirmar o que de fato estamos observando, precisamos utilizar algum aparelho que vá além da nossa capacidade sensorial.
Um dos equipamentos que podem ampliar o nosso limite de visão é o telescópio. Ao olharmos para o céu noturno, podemos observar milhares de estrelas. Para os nossos olhos, elas são apenas pontos brilhantes incrustados em um véu escuro. Não é à toa que alguns povos antigos acreditavam exatamente nisso.
Só começamos a ter uma idéia mais precisa da natureza desses astros quando, no início do século 17, Galileu Galilei (1564-1642) apontou para o céu uma pequena luneta construída por ele mesmo, com uma lente de apenas alguns centímetros de diâmetro, que lhe permitiu um aumento de 30 vezes. Pode parecer pouco, mas foi um grande passo para ampliar nossos horizontes. Ele descobriu, por exemplo, que Júpiter era rodeado por quatro pequenos pontos luminosos, que foram identificados como luas daquele planeta.
“Grande olho”
Os telescópios e lunetas conseguem ampliar a nossa visão do céu porque funcionam como se fossem um “grande olho”. A pupila do olho humano, quando adaptada ao escuro, se dilata e atinge aproximadamente 7 mm de diâmetro. Os maiores telescópios do mundo têm espelhos com 10 metros de diâmetro, como os que existem no Havaí e nas Ilhas Canárias, na Espanha.
Com uma conta simples, percebemos que esses telescópios têm uma área cerca de dois milhões de vezes maior que a nossa pupila e, portanto, conseguem captar dois milhões de vezes mais luz. Esses gigantescos olhos conseguem observar objetos muito distantes e pouco luminosos. Além disso, eles são capazes de captar a luz de um mesmo objeto ao longo muitas horas, diferentemente dos nossos olhos, que captam por apenas um instante.
Da mesma maneira que não conseguimos enxergar objetos como galáxias distantes sem o auxílio do telescópio, tampouco conseguimos enxergar as coisas muito pequenas. Pessoas com excelente visão conseguem observar objetos com apenas alguns décimos ou centésimos de milímetro. Entretanto, sabemos que existem coisas muito menores.
O microscópio ótico trouxe um grande avanço para o conhecimento de objetos que têm a dimensão de alguns mícrons (daí o nome do aparelho). O físico inglês Rober Hooke (1635-1702), por exemplo, batizou de células as pequenas estruturas que ele observou na cortiça por meio de um microscópio. Posteriormente, ao observar fragmentos de plantas, ele descobriu que as células possuíam núcleo. Os microscópios óticos atuais aumentam a imagem na ordem de mil vezes.
Um grande avanço ocorreu com a invenção do microscópio eletrônico no começo da década de 1930. Esse equipamento não utiliza a luz para gerar as imagens, mas sim elétrons que são emitidos por um filamento e espalhados pela superfície do material. Existem outros tipos de microscópios eletrônicos que utilizam, por exemplo, o chamado efeito túnel, no qual uma ponta com alguns mícrons de espessura passa sobre a superfície do material e, quando um elétron “salta” da superfície para a ponta, produz uma voltagem que permite a construção da imagem.
Escala atômica e subatômica
Os microscópios eletrônicos permitem observar objetos na escala atômica, pois têm uma resolução de ordem nanométrica. Porém, se quisermos observar a matéria em escala ainda menor, podemos recorrer a outras ferramentas, como os raios-X, em particular os que são produzidos em máquinas síncrotron.
Esses equipamentos fazem com que um feixe de elétrons viaje dentro de um grande anel com velocidades próximas à da luz. Quando os elétrons fazem uma curva, parte da sua energia é emitida na forma de radiação. Geralmente, essas máquinas são construídas para que a radiação seja emitida na faixa do raios-X, como é o caso da máquina brasileira que existe no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), localizado em Campinas (SP).
A máquina brasileira tem um anel com o diâmetro de aproximadamente 100 metros. Já o do equipamento usado na Instalação Européia de Radiação Síncrotron (ESRF, na sigla em inglês), em Grenoble, na França, é da ordem de 1 quilômetro. Em ambas as máquinas, é possível conhecer a estrutura dos átomos e moléculas, o que permite entender por que muitos materiais apresentam determinadas propriedades físicas e químicas.
O custo de construção e operação dessas máquinas gigantes é da ordem de milhões de dólares. Ainda assim, elas não permitem olhar na escala mais interna da matéria, ou seja, a das partículas elementares. Para tanto, é preciso utilizar outros tipos de equipamentos, como os aceleradores de partículas. Nessas máquinas, núcleos atômicos são atirados uns contra os outros com quantidades fantásticas de energia.
Esses experimentos já permitiram detectar a presença de mais de uma centena de partículas elementares que somente existem nessas condições extremas. Neste ano, espera-se que o LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês) entre em funcionamento. Com essa máquina de 27 quilômetros de circunferência enterrada a mais de 100 metros da superfície, os cientistas esperam responder diversas questões ainda não esclarecidas pelos nossos meios atuais de observação.
Em particular, espera-se que ele lance alguma luz sobre a compreensão da existência da matéria que surgiu no evento do Big-Bang, há cerca de 14 bilhões de anos. De uma maneira que até parece paradoxal, para compreender os confins do universo, precisamos esmiuçar a matéria em sua escala mais ínfima.
Talvez essa busca nunca tenha fim. Cada vez que olhamos para as escalas maiores e menores, sempre descobrimos algo novo. Talvez o horizonte que alcançamos até agora seja muito estreito. Em todo caso, com certeza não é limitada nossa capacidade de procurar olhar para além dos nossos limites humanos.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Kissinger é realmente doutor por Harvard. Condoleeza também é doutora por Stanford, onde foi professora e chegou ao ápice das honrarias universitárias : foi, por muitos anos, Reitora de Stanford.
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