Pequenos habitantes de um mundo próximo
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
15/02/2008
Nossa sociedade é diretamente influenciada pelos avanços tecnológicos, em particular, os alcançados ao longo da segunda metade do século passado. Diferentemente das histórias que as nossas avós contavam sobre uma época talvez mais tranqüila, mas com mais dificuldades, vivemos em um mundo que ao mesmo tempo nos oferece muitas facilidades decorrentes da tecnologia, mas também torna nosso cotidiano mais atribulado.
Há 50 anos, por exemplo, o telefone era algo raro, caro e de difícil utilização. Hoje, os celulares são distribuídos até de graça pelas empresas de telefonia. Em quase todas as casas brasileiras existe pelo menos um equipamento eletrônico, seja um aparelho de televisão, um forno de microondas ou um rádio de pilhas. Outro exemplo marcante são os bancos, que têm atendimento eletrônico em todas as agências. Uma conseqüência disso é que existem cada vez mais máquinas e menos pessoas trabalhando nas agências bancárias, nos supermercados, nas lojas, oficinas de automóveis etc.
Desses equipamentos presentes em nosso cotidiano, o mais fascinante é, sem dúvida, o computador, cada vez mais indispensável. Se voltarmos um pouco no tempo, para a década de 1960 mais precisamente, os poucos computadores que existiam eram máquinas imensas e de difícil operação.
O primeiro deles, que começou a ser desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, pesava nada menos que 30 toneladas e ocupava uma área de 180 m 2 (o tamanho de uma casa ampla). Seu nome era Eniac, sigla em inglês para “Integrador numérico elétrico e calculadora”. Seu poder de cálculo era inferior ao de qualquer calculadora de bolso atual. De fato, o computador se tornou um objeto comum, possível de ser carregado no bolso, como é o caso dos handhelds. Aliás, para ler esse texto você decerto está utilizando um computador para acessar a internet.
O grande tamanho dos computadores (e outros aparelhos eletrônicos daquela época) se devia à sua dependência das chamadas válvulas termiônicas. Esses dispositivos eram constituídos por uma ampola de vidro selada a vácuo contendo diversos elementos metálicos, lembrando uma lâmpada de filamento. Eles eram utilizados para amplificar as correntes elétricas dos circuitos e direcioná-las para o funcionamento dos equipamentos.
O princípio de funcionamento das válvulas foi descoberto pelo inventor americano Thomas Edison (1847-1931) em 1888, quando ele observou que um filamento de lâmpada, quando aquecido, podia emitir carga elétrica (hoje sabemos que essa carga se deve aos elétrons, partículas que só seriam identificadas nove anos depois). O efeito observado por Edison foi posteriormente aplicado pelo engenheiro elétrico inglês John Ambrose Fleming (1849-1945), que desenvolveu a primeira válvula utilizada na construção de um rádio em 1904.
Elétrons frenéticos
Quem já teve a curiosidade de abrir algum aparelho eletrônico, como uma TV, rádio ou computador, percebeu que normalmente existe em seu interior uma placa na qual várias pequenas “caixinhas” estão ligadas por trilhas metálicas, como se fossem ruas e avenidas em uma “metrópole” em miniatura. Embora não possamos ver, essas ruas e avenidas abrigam um trânsito intenso: nelas circulam rapidamente “minúsculos habitantes” em um ritmo frenético. Esses habitantes são os elétrons. O movimento dos elétrons é que gera a corrente elétrica, e é a partir dela que tudo ocorre na eletrônica.
Em particular nos computadores, há um “edifício principal” que é o centro de todas as atenções. Lá dentro, o ritmo é freneticamente veloz, pois os elétrons percorrem determinados caminhos milhões de vezes por segundo, encontrando inúmeros dispositivos que foram construídos na escala nanométrica, ou seja, da ordem de um bilionésimo do metro.
É como se, nesse prédio, trabalhasse um exército com milhões de pessoas. Esse “edifício principal” é o processador do computador, que executa todas as tarefas que os programas exigem da máquina. Ao acessar a internet, tocar um DVD ou realizar um cálculo complicado, é esse processador que coordena tudo.
O interior do processador é constituído de diversos dispositivos como resistores, que servem para limitar o valor de corrente nos circuitos; capacitores, que armazenam carga elétrica; diodos, que permitem o fluxo de corrente em uma única direção do circuito; e transistores, que servem para controlar e amplificar a corrente do circuito.
O efeito transistor foi descoberto em 1947 pelos físicos americanos John Bardeen (1908-1991) e Walter Houser Brattain (1902-1987) e permitiu o desenvolvimento de dispositivos que controlam o fluxo de corrente em circuitos eletrônicos a partir da tensão aplicada sobre eles, permitindo a substituição das válvulas termiônicas.
Em 1952 surgiu o primeiro transistor comercial de germânio: nascia a era da eletrônica. Bardeen, Brattain e o físico americano William Schockley (1910-1989) – que também ajudou a compreender o fenômeno – receberam o Nobel de Física de 1956, por essa descoberta. John Bardeen ainda ganharia outro Nobel de Física em 1972, por desenvolver a teoria que explica a supercondutividade, tornando-se o único cientista a receber duas vezes esse prêmio na área da física.
Materiais semicondutores
A tecnologia da eletrônica foi possível graças à compreensão e ao desenvolvimento dos ditos materiais semicondutores. Um semicondutor tem como principal característica o fato de sua resistência elétrica ter um valor intermediário entre o dos metais (bons condutores de corrente elétrica) e o dos isolantes (que apresentam alta resistência à passagem de corrente). A grande vantagem dos semicondutores é que é possível alterar significativamente a sua condutividade elétrica inserindo outros elementos na sua constituição química, ou “dopando”-os, como se diz no jargão.
Um bom exemplo é o do arseneto de gálio (GaAs), um dos semicondutores mais empregados. Quando introduzimos elementos como o alumínio ou o silício em sua composição, sua condutividade muda drasticamente. Dessa forma, é possível fazer uma engenharia com esses materiais, permitindo a produção de diversos componentes eletrônicos.
Utilizamos cotidianamente diversos equipamentos, sem ter idéia de como eles funcionam. Nesses aparelhos ocorre, a todo tempo, uma infinidade de processos físicos que transformam nossa vida. Quando utilizei um computador para escrever este texto e você, leitor, fez o mesmo para acessá-lo na internet, milhões de elétrons se movimentaram. Foi possível, assim, transmitir idéias utilizando a nossa fabulosa capacidade de manipular esses pequenos e importantes “habitantes” do mundo da eletrônica.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Publicada no Ciência Hoje On-line
15/02/2008
Nossa sociedade é diretamente influenciada pelos avanços tecnológicos, em particular, os alcançados ao longo da segunda metade do século passado. Diferentemente das histórias que as nossas avós contavam sobre uma época talvez mais tranqüila, mas com mais dificuldades, vivemos em um mundo que ao mesmo tempo nos oferece muitas facilidades decorrentes da tecnologia, mas também torna nosso cotidiano mais atribulado.
Há 50 anos, por exemplo, o telefone era algo raro, caro e de difícil utilização. Hoje, os celulares são distribuídos até de graça pelas empresas de telefonia. Em quase todas as casas brasileiras existe pelo menos um equipamento eletrônico, seja um aparelho de televisão, um forno de microondas ou um rádio de pilhas. Outro exemplo marcante são os bancos, que têm atendimento eletrônico em todas as agências. Uma conseqüência disso é que existem cada vez mais máquinas e menos pessoas trabalhando nas agências bancárias, nos supermercados, nas lojas, oficinas de automóveis etc.
Desses equipamentos presentes em nosso cotidiano, o mais fascinante é, sem dúvida, o computador, cada vez mais indispensável. Se voltarmos um pouco no tempo, para a década de 1960 mais precisamente, os poucos computadores que existiam eram máquinas imensas e de difícil operação.
O primeiro deles, que começou a ser desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, pesava nada menos que 30 toneladas e ocupava uma área de 180 m 2 (o tamanho de uma casa ampla). Seu nome era Eniac, sigla em inglês para “Integrador numérico elétrico e calculadora”. Seu poder de cálculo era inferior ao de qualquer calculadora de bolso atual. De fato, o computador se tornou um objeto comum, possível de ser carregado no bolso, como é o caso dos handhelds. Aliás, para ler esse texto você decerto está utilizando um computador para acessar a internet.
O grande tamanho dos computadores (e outros aparelhos eletrônicos daquela época) se devia à sua dependência das chamadas válvulas termiônicas. Esses dispositivos eram constituídos por uma ampola de vidro selada a vácuo contendo diversos elementos metálicos, lembrando uma lâmpada de filamento. Eles eram utilizados para amplificar as correntes elétricas dos circuitos e direcioná-las para o funcionamento dos equipamentos.
O princípio de funcionamento das válvulas foi descoberto pelo inventor americano Thomas Edison (1847-1931) em 1888, quando ele observou que um filamento de lâmpada, quando aquecido, podia emitir carga elétrica (hoje sabemos que essa carga se deve aos elétrons, partículas que só seriam identificadas nove anos depois). O efeito observado por Edison foi posteriormente aplicado pelo engenheiro elétrico inglês John Ambrose Fleming (1849-1945), que desenvolveu a primeira válvula utilizada na construção de um rádio em 1904.
Elétrons frenéticos
Quem já teve a curiosidade de abrir algum aparelho eletrônico, como uma TV, rádio ou computador, percebeu que normalmente existe em seu interior uma placa na qual várias pequenas “caixinhas” estão ligadas por trilhas metálicas, como se fossem ruas e avenidas em uma “metrópole” em miniatura. Embora não possamos ver, essas ruas e avenidas abrigam um trânsito intenso: nelas circulam rapidamente “minúsculos habitantes” em um ritmo frenético. Esses habitantes são os elétrons. O movimento dos elétrons é que gera a corrente elétrica, e é a partir dela que tudo ocorre na eletrônica.
Em particular nos computadores, há um “edifício principal” que é o centro de todas as atenções. Lá dentro, o ritmo é freneticamente veloz, pois os elétrons percorrem determinados caminhos milhões de vezes por segundo, encontrando inúmeros dispositivos que foram construídos na escala nanométrica, ou seja, da ordem de um bilionésimo do metro.
É como se, nesse prédio, trabalhasse um exército com milhões de pessoas. Esse “edifício principal” é o processador do computador, que executa todas as tarefas que os programas exigem da máquina. Ao acessar a internet, tocar um DVD ou realizar um cálculo complicado, é esse processador que coordena tudo.
O interior do processador é constituído de diversos dispositivos como resistores, que servem para limitar o valor de corrente nos circuitos; capacitores, que armazenam carga elétrica; diodos, que permitem o fluxo de corrente em uma única direção do circuito; e transistores, que servem para controlar e amplificar a corrente do circuito.
O efeito transistor foi descoberto em 1947 pelos físicos americanos John Bardeen (1908-1991) e Walter Houser Brattain (1902-1987) e permitiu o desenvolvimento de dispositivos que controlam o fluxo de corrente em circuitos eletrônicos a partir da tensão aplicada sobre eles, permitindo a substituição das válvulas termiônicas.
Em 1952 surgiu o primeiro transistor comercial de germânio: nascia a era da eletrônica. Bardeen, Brattain e o físico americano William Schockley (1910-1989) – que também ajudou a compreender o fenômeno – receberam o Nobel de Física de 1956, por essa descoberta. John Bardeen ainda ganharia outro Nobel de Física em 1972, por desenvolver a teoria que explica a supercondutividade, tornando-se o único cientista a receber duas vezes esse prêmio na área da física.
Materiais semicondutores
A tecnologia da eletrônica foi possível graças à compreensão e ao desenvolvimento dos ditos materiais semicondutores. Um semicondutor tem como principal característica o fato de sua resistência elétrica ter um valor intermediário entre o dos metais (bons condutores de corrente elétrica) e o dos isolantes (que apresentam alta resistência à passagem de corrente). A grande vantagem dos semicondutores é que é possível alterar significativamente a sua condutividade elétrica inserindo outros elementos na sua constituição química, ou “dopando”-os, como se diz no jargão.
Um bom exemplo é o do arseneto de gálio (GaAs), um dos semicondutores mais empregados. Quando introduzimos elementos como o alumínio ou o silício em sua composição, sua condutividade muda drasticamente. Dessa forma, é possível fazer uma engenharia com esses materiais, permitindo a produção de diversos componentes eletrônicos.
Utilizamos cotidianamente diversos equipamentos, sem ter idéia de como eles funcionam. Nesses aparelhos ocorre, a todo tempo, uma infinidade de processos físicos que transformam nossa vida. Quando utilizei um computador para escrever este texto e você, leitor, fez o mesmo para acessá-lo na internet, milhões de elétrons se movimentaram. Foi possível, assim, transmitir idéias utilizando a nossa fabulosa capacidade de manipular esses pequenos e importantes “habitantes” do mundo da eletrônica.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Já teve o "privilégio" de trabalhar xom um "IBM-barra-três"?... Primeiro cartão do "batch": //JOB FORTRAN... E um disco de 8 polegadas de 256 kBytes...
ResponderExcluirMeu Deus!... Eu sou da época do "bit lascado"... :)
Eu já comecei com o famoso MSX da Gradiente que podia gravar os programas em fita cassete. Comm 8 kbytes de RAM dava para fazer miséria.
ResponderExcluirHoje mesmo tendo 2 gigabtyes de RAM e 160 de disco rígido e um processador quadruplo, dá a sensação de estar dirigindo uma carroça. Quanto mais temos, mais exigentes ficamos.
Um abraço
Adilson