O Enigma do Movimento
Publicada no Ciência Hoje On-line
21/09/2007
Atualmente, a maioria das pessoas, sobretudo as que vivem em regiões urbanas, utilizam algum veículo para se locomover, especialmente automóveis. Quando o automóvel (ou qualquer outro veículo) entra em movimento, sentimos no seu interior uma força que nos comprime contra o assento. Quanto mais intensa é a aceleração, maior é essa força.
Durante as transmissões esportivas de corridas de Fórmula 1, por exemplo, é comum que se exibam gráficos mostrando a aceleração que o piloto está sentindo no cockpit , normalmente expressa em unidades de “g”, que representa a aceleração da gravidade terrestre, que vale aproximadamente 9,8 m/s 2 . Dessa forma, quando o piloto sofre uma aceleração igual a 2 ou 3 “g”, é como se ele sentisse duas ou três vezes o seu peso comprimindo-o contra o assento. O que o faz sentir essa sensação?
A explicação vem de um conceito introduzido por Galileu Galilei (1564-1642) conhecido como inércia. Galileu mostrou que um corpo permanecerá em repouso ou continuará a se mover com velocidade constante em uma linha reta a menos que um agente externo atue sobre ele. Isaac Newton (1643-1727) incorporou esse conceito na sua formulação da Mecânica Clássica e ele ficou conhecido como a 1ª Lei de Newton.
Quando o carro começa a se mover, o nosso corpo, de acordo com o princípio da inércia, tenderá a se manter no seu estado de repouso. O assento, ligado ao carro, empurra o nosso corpo e esse reage empurrando o banco. Da mesma maneira, quando o automóvel freia bruscamente, somos arremessados para frente, pois o carro pára, mas nós continuamos em movimento. Quanto maior for a massa do corpo, mais difícil é alterar o seu estado de movimento. Portanto, é mais difícil parar um caminhão com várias toneladas do que um carro, pois a sua inércia é maior.
Uma outra situação na qual sentimos esse efeito é quando estamos em pé em um ônibus urbano e este faz uma curva fechada, por exemplo, para a direita. Ao acontecer isso, sentimos “uma força” nos impulsionando para a esquerda.
Entretanto, uma pessoa que estivesse na calçada descreveria a situação de maneira diferente. Para ela, o ônibus mudou a sua trajetória e quem está dentro dele continuou a se movimentar em linha reta, como prevê a 1ª Lei de Newton. Para esse observador, não existe força nenhuma atuando sobre os passageiros do ônibus, apenas a ação da tendência de todos os corpos manterem o seu estado de movimento. Mas quem tem a resposta correta? Existe uma força ou é apenas uma ilusão para quem viaja no ônibus? Qual é a origem dessa força que nos arremessa contra a parede do ônibus?
Questões como essas despertaram o interesse de Albert Einstein (1879-1955). Por volta do ano de 1907, ele pensava em uma forma de generalizar a Teoria da Relatividade Restrita, que ele tinha proposto em 1905 (veja a coluna Sonhos de um jovem visionário ). Segundo essa teoria, nenhum observador poderia ser considerado privilegiado em relação a outro qualquer. Quando Einstein formulou essa hipótese, ele apenas considerou a sua validade para os chamados “observadores inerciais”, que, como diz o próprio nome, são observadores que mantêm o seu estado de movimento e não estão sujeitos à ação de forças.
Inércia X gravidade
Havia também uma questão que incomodava Einstein. Como a gravidade atua sobre os corpos independentemente do material ou do estado físico do corpo? Podemos pensar nessa questão da seguinte maneira: um corpo sob a ação de uma força sofre uma determinada aceleração de acordo com a sua massa. Nesse contexto, essa é a massa inercial do corpo, pois a inércia está relacionada ao estado de movimento. Por outro lado, se a força que atua sobre o corpo é a força gravitacional, esta é igual ao produto da massa (agora chamada de massa gravitacional) pelo campo gravitacional. Como era conhecido desde a época de Newton, ambas as massas têm o mesmo valor. Contudo, para Einstein, isso significava que ora a mesma qualidade (massa) do corpo se manifesta como “inércia”, ora como “gravidade”.
Essa conseqüência levou à elaboração do chamado Princípio da Equivalência, segundo o qual as experiências realizadas localmente na presença de um campo gravitacional dão os mesmos resultados que as realizadas em um sistema de referência não-inercial (observador acelerado). Por exemplo, na Estação Espacial Internacional, que se encontra a uma altitude de 600 km em relação ao solo, costumamos ver os astronautas flutuarem e afirma-se que eles não estão sofrendo a ação da gravidade. Porém, esta afirmação estará correta ou incorreta dependendo do ponto de vista.
Se considerarmos o interior da estação espacial, teremos a impressão de que não há gravidade naquele local. Entretanto, se observarmos de fora da estação, de qualquer ponto da superfície terrestre, verificaremos que os astronautas estão caindo o tempo todo na direção da Terra. Eles – e a estação espacial – nunca chegam ao solo, pois, à medida que caem, a superfície da Terra (que é curva) se afasta na mesma proporção. Levando em conta esse referencial, existe sem dúvida a ação de uma força.
Da mesma maneira, um astronauta no interior de um foguete que está viajando no espaço profundo, longe da influência gravitacional de qualquer objeto celeste, mas com uma aceleração igual à da gravidade terrestre, terá a sensação de estar sobre a superfície da Terra. Se ele subir em uma balança para medir o seu peso, terá o mesmo valor de quando o mediu em uma balança na Terra. Será também fisicamente impossível para ele distinguir se o seu foguete está estacionado sobre a superfície da Terra ou viajando aceleradamente. Portanto, em ambas as situações, não se pode distinguir qual é de fato a ação que está ocorrendo.
Segundo o Princípio da Equivalência, não podemos saber, no caso do ônibus fazendo a curva, se estamos em um sistema acelerado ou se existe um campo gravitacional que nos puxa para fora (a não ser que haja alguma informação externa ao ônibus). Essa surpreendente constatação de Einstein levou à formulação da sua Teoria da Relatividade Geral, que em sua essência é uma nova teoria da gravitação, que modificou completamente a maneira de vermos o espaço e o tempo. A partir dessa teoria, pode-se compreender que a inércia está associada à gravidade e esta, por sua vez, à curvatura do espaço provocada pela presença da massa. Essa fantástica idéia, que abordarei futuramente, foi uma das maiores revoluções científicas de toda a história. Ela finalmente resolveu o enigma do movimento.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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