Memórias de um carbono
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
18/05/2007
Há bilhões de anos uma estrela distante, semelhante ao nosso Sol, vivia seus últimos momentos. Depois de muito tempo brilhando, seu ciclo de vida chegara ao fim. Como todas as outras estrelas, ela manteve seu brilho graças ao processo de fusão nuclear. Da mesma forma que o Sol, a cada segundo ela convertia dezenas de bilhões de toneladas de hidrogênio (elemento mais abundante do universo) em hélio, liberando uma energia equivalente à queima de 10 milhões de vezes a produção anual de petróleo da Terra.
A famosa equação de Einstein, E=mc 2 , explica como isso ocorre. A ínfima diferença de massa que existe entre quatro núcleos de hidrogênio (constituídos por apenas um próton cada) e um núcleo de hélio, com dois prótons, se transforma nessa enorme quantidade de energia (para que isso aconteça, dois prótons se transformam em nêutrons para estabilizar o núcleo de hélio, e há a liberação de dois pósitrons).
Entretanto, após esse longo período, o hidrogênio disponível para manter o processo de fusão nuclear estava acabando. Com a queda da taxa de conversão de hidrogênio em hélio, a pressão interna que sustentava a enorme massa da estrela começou a sucumbir à força gravitacional que tende a fazer com que a estrela se contraia. No seu núcleo, o coração da estrela, a temperatura começou a subir e, ao atingir temperaturas da ordem de 100 milhões de graus, outro processo teve início.
Como se fosse um soluço buscando ainda manter a estrela viva, os núcleos de hélio começaram a reagir. A combinação de três desses núcleos proporcionou o nascimento de um novo elemento, o carbono. Como resultado dessa gênese, ocorreu um violento aumento de temperatura e a estrela se expandiu, tornando-se uma gigante vermelha.
Esse processo, que um dia acontecerá com o nosso Sol, tornou essa estrela um objeto com mais de 150 milhões de quilômetros de raio, ou seja, a distância entre o Sol e a Terra. As camadas mais externas da estrela se desprenderam devido às colisões dos fótons (partículas de luz) produzidos pela própria estrela com os átomos ali presentes, de maneira semelhante a uma colisão entre duas bolas de bilhar.
Ao receber esse empurrão, os átomos, em particular um átomo específico de carbono, iniciaram uma longa jornada pelo espaço interestelar. Essa viagem, em alguns casos, pode durar milhões de anos. Aquela estrela consumiria o hélio restante, convertendo-o em carbono, até que as reações nucleares cessassem. Por mais alguns bilhões de anos a estrela brilharia, formando uma anã branca. Quando finalmente esfriasse, sobraria um anã negra, uma estrela de diamantes.
Encontro galáctico
Depois de vagar pelo espaço, os átomos de carbono se encontraram com outros átomos e formaram diversos tipos de moléculas, como o monóxido de carbono (CO) e o metano (CH 4 ), entre outras. Novamente a força gravitacional acumulou essas moléculas para formarem nuvens moleculares gigantes. Em particular, essa nuvem acabou se fragmentando devido à rotação que possuía inicialmente.
O maior desses fragmentos, ao colapsar, acumulou tanta matéria que a força gravitacional começou a exercer uma enorme pressão e, como conseqüência, a temperatura aumentou, ao ponto que as moléculas que inicialmente compunham a nuvem se dissociaram. Ao atingir a temperatura de 15 milhões de graus, processos de fusão nuclear começaram a ocorrer novamente. Assim nascia uma estrela: o nosso Sol.
Em regiões de menor densidade, a aglomeração de matéria não proporcionou as condições para a formação de outras estrelas, mas sim dos planetas e demais componentes do Sistema Solar. Nosso átomo de carbono que viajara uma incomensurável distância agora se juntava na formação de um planeta, a Terra. Criado anteriormente, no suspiro final de uma estrela, ele estava agora participando do nascimento de um novo mundo. Isso foi há 4,6 bilhões de anos.
Depois da formação de nosso planeta, esse átomo de carbono participou de muitos momentos da história terrestre. Por muito tempo combinou-se na atmosfera do planeta com hidrogênio, nitrogênio e principalmente com uma dupla de oxigênios (formando o dióxido de carbono, CO 2 ). Sob a forma dessa molécula, ele participou do ciclo da vida na Terra.
Todos os seres vivos do nosso planeta têm como tijolos fundamentais os átomos de carbono. Para se desenvolverem, as espécies animais se alimentam de outras (animais ou vegetais) para adquirir o carbono necessário para a manutenção da vida. Os animais exalam dióxido de carbono e as plantas o absorvem e, por meio da fotossíntese, incorporam o carbono à sua estrutura. Esse ciclo tem garantido toda a vida na Terra.
Do subsolo aos seus pulmões
Em um determinado momento, há milhões de anos, nosso átomo de carbono se fixou na estrutura de um vegetal e acabou por ficar soterrado. Durante esse tempo, ele participou da formação de longas e complexas moléculas de hidrocarbonetos que, combinadas, se transformaram em petróleo.
Pouco tempo atrás esse átomo de carbono foi liberado de sua prisão química. No processo de transformação industrial do petróleo ele foi incorporado à gasolina que era produzida em uma refinaria. Não demorou muito e ele estava participando de uma reação de queima no motor de um automóvel e rapidamente estava novamente livre na atmosfera.
A excessiva liberação desses átomos de carbono que ficaram aprisionados por milhões de anos no subsolo é um dos maiores problemas que a humanidade enfrenta atualmente. O acúmulo de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera tem contribuído para intensificar o efeito-estufa e para aumentar com isso a temperatura do nosso planeta. Ironicamente, se esse processo não for interrompido, pode ter conseqüências fatais para a vida na Terra.
Para terminar as memórias desse átomo de carbono, basta lembrar que, desde a sua síntese, há bilhões de anos no interior de uma estrela que não existe mais, até os dias de hoje, ele participou de inúmeras transformações. Neste momento ele acaba de ser expirado pela sua respiração.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
Publicada no Ciência Hoje On-line
18/05/2007
Há bilhões de anos uma estrela distante, semelhante ao nosso Sol, vivia seus últimos momentos. Depois de muito tempo brilhando, seu ciclo de vida chegara ao fim. Como todas as outras estrelas, ela manteve seu brilho graças ao processo de fusão nuclear. Da mesma forma que o Sol, a cada segundo ela convertia dezenas de bilhões de toneladas de hidrogênio (elemento mais abundante do universo) em hélio, liberando uma energia equivalente à queima de 10 milhões de vezes a produção anual de petróleo da Terra.
A famosa equação de Einstein, E=mc 2 , explica como isso ocorre. A ínfima diferença de massa que existe entre quatro núcleos de hidrogênio (constituídos por apenas um próton cada) e um núcleo de hélio, com dois prótons, se transforma nessa enorme quantidade de energia (para que isso aconteça, dois prótons se transformam em nêutrons para estabilizar o núcleo de hélio, e há a liberação de dois pósitrons).
Entretanto, após esse longo período, o hidrogênio disponível para manter o processo de fusão nuclear estava acabando. Com a queda da taxa de conversão de hidrogênio em hélio, a pressão interna que sustentava a enorme massa da estrela começou a sucumbir à força gravitacional que tende a fazer com que a estrela se contraia. No seu núcleo, o coração da estrela, a temperatura começou a subir e, ao atingir temperaturas da ordem de 100 milhões de graus, outro processo teve início.
Como se fosse um soluço buscando ainda manter a estrela viva, os núcleos de hélio começaram a reagir. A combinação de três desses núcleos proporcionou o nascimento de um novo elemento, o carbono. Como resultado dessa gênese, ocorreu um violento aumento de temperatura e a estrela se expandiu, tornando-se uma gigante vermelha.
Esse processo, que um dia acontecerá com o nosso Sol, tornou essa estrela um objeto com mais de 150 milhões de quilômetros de raio, ou seja, a distância entre o Sol e a Terra. As camadas mais externas da estrela se desprenderam devido às colisões dos fótons (partículas de luz) produzidos pela própria estrela com os átomos ali presentes, de maneira semelhante a uma colisão entre duas bolas de bilhar.
Ao receber esse empurrão, os átomos, em particular um átomo específico de carbono, iniciaram uma longa jornada pelo espaço interestelar. Essa viagem, em alguns casos, pode durar milhões de anos. Aquela estrela consumiria o hélio restante, convertendo-o em carbono, até que as reações nucleares cessassem. Por mais alguns bilhões de anos a estrela brilharia, formando uma anã branca. Quando finalmente esfriasse, sobraria um anã negra, uma estrela de diamantes.
Encontro galáctico
Depois de vagar pelo espaço, os átomos de carbono se encontraram com outros átomos e formaram diversos tipos de moléculas, como o monóxido de carbono (CO) e o metano (CH 4 ), entre outras. Novamente a força gravitacional acumulou essas moléculas para formarem nuvens moleculares gigantes. Em particular, essa nuvem acabou se fragmentando devido à rotação que possuía inicialmente.
O maior desses fragmentos, ao colapsar, acumulou tanta matéria que a força gravitacional começou a exercer uma enorme pressão e, como conseqüência, a temperatura aumentou, ao ponto que as moléculas que inicialmente compunham a nuvem se dissociaram. Ao atingir a temperatura de 15 milhões de graus, processos de fusão nuclear começaram a ocorrer novamente. Assim nascia uma estrela: o nosso Sol.
Em regiões de menor densidade, a aglomeração de matéria não proporcionou as condições para a formação de outras estrelas, mas sim dos planetas e demais componentes do Sistema Solar. Nosso átomo de carbono que viajara uma incomensurável distância agora se juntava na formação de um planeta, a Terra. Criado anteriormente, no suspiro final de uma estrela, ele estava agora participando do nascimento de um novo mundo. Isso foi há 4,6 bilhões de anos.
Depois da formação de nosso planeta, esse átomo de carbono participou de muitos momentos da história terrestre. Por muito tempo combinou-se na atmosfera do planeta com hidrogênio, nitrogênio e principalmente com uma dupla de oxigênios (formando o dióxido de carbono, CO 2 ). Sob a forma dessa molécula, ele participou do ciclo da vida na Terra.
Todos os seres vivos do nosso planeta têm como tijolos fundamentais os átomos de carbono. Para se desenvolverem, as espécies animais se alimentam de outras (animais ou vegetais) para adquirir o carbono necessário para a manutenção da vida. Os animais exalam dióxido de carbono e as plantas o absorvem e, por meio da fotossíntese, incorporam o carbono à sua estrutura. Esse ciclo tem garantido toda a vida na Terra.
Do subsolo aos seus pulmões
Em um determinado momento, há milhões de anos, nosso átomo de carbono se fixou na estrutura de um vegetal e acabou por ficar soterrado. Durante esse tempo, ele participou da formação de longas e complexas moléculas de hidrocarbonetos que, combinadas, se transformaram em petróleo.
Pouco tempo atrás esse átomo de carbono foi liberado de sua prisão química. No processo de transformação industrial do petróleo ele foi incorporado à gasolina que era produzida em uma refinaria. Não demorou muito e ele estava participando de uma reação de queima no motor de um automóvel e rapidamente estava novamente livre na atmosfera.
A excessiva liberação desses átomos de carbono que ficaram aprisionados por milhões de anos no subsolo é um dos maiores problemas que a humanidade enfrenta atualmente. O acúmulo de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera tem contribuído para intensificar o efeito-estufa e para aumentar com isso a temperatura do nosso planeta. Ironicamente, se esse processo não for interrompido, pode ter conseqüências fatais para a vida na Terra.
Para terminar as memórias desse átomo de carbono, basta lembrar que, desde a sua síntese, há bilhões de anos no interior de uma estrela que não existe mais, até os dias de hoje, ele participou de inúmeras transformações. Neste momento ele acaba de ser expirado pela sua respiração.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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