A complexa ordem da vida



Coluna publicada na Click Ciência em 12/01/2007


A diversidade de formas de vida que o nosso planeta apresenta é algo impressionante. Formas de vida simples, como bactérias, são muito mais complexas do que qualquer outro dispositivo que o homem já criou. A quantidade de informações que existe no código genético das espécies mais primitivas é muito superior a de qualquer dispositivo que possamos imaginar. Equipamentos, máquinas, computadores, são frutos da inteligência humana. Os seres vivos, segundo as evidências científicas que temos até o momento, são resultados de inúmeras experiências feitas pela própria natureza ao longo de bilhões de anos.

Como puderam surgir estruturas organizadas e complexas como os seres vivos?

Para que se consiga organizar algo é necessário que se disponha de energia para tal. Não se produz nenhum equipamento ou estrutura mais complexa sem que se gaste energia. Entretanto, não se trata de qualquer tipo de energia. É necessário que ela tenha certa qualidade ou capacidade para realizar um trabalho útil. Quando qualquer processo químico ou físico acontece, a qualidade ou capacidade de realizar trabalho dessa energia é irremediavelmente perdida. Quanto mais complexo é o processo, mais energia ele demanda e mais qualidade ela deve ter. Toda transformação de energia tem um preço a pagar. Invariavelmente parte da energia é transformada em energia com baixa qualidade, como o calor, por exemplo.

Os seres vivos são o que chamamos de sistemas termodinâmicos abertos, ou seja, recebem energia do meio externo. Um organismo permanece vivo no seu estado altamente organizado ao importar energia de alta qualidade de fora de si mesmo. Por exemplo, as plantas se desenvolvem a partir da energia que elas captam da luz solar, realizando o processo de fotossíntese para transformar o gás carbônico em carboidratos. O subproduto desse processo é o oxigênio. Os animais, por sua vez, utilizam as plantas como fonte de energia, extraindo-a das ligações químicas, durante o processo de digestão.

Qualquer organismo quando privado das suas fontes de energia morre e rapidamente se degrada. Isso acontece porque na natureza há uma tendência de todos os sistemas, com o passar do tempo, se desorganizar. No nosso cotidiano percebemos que há uma tendência de tudo se deteriorar e se desarrumar espontaneamente.

A existência da ordem/desordem está relacionada com uma característica fundamental da natureza que denominamos entropia. A entropia está relacionada com a quantidade de informação necessária para caracterizar um sistema. Dessa forma, quanto maior a entropia, mais informações são necessárias para descrevermos o sistema.

A manutenção da vida é um embate constante contra a entropia. A luta contra a desorganização é travada a cada momento por nós. Desde o momento da nossa concepção, a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, o nosso organismo vai se desenvolvendo, ficando mais complexo. Partimos de uma única célula e chegamos à fase adulta tendo trilhões delas especializadas para determinadas funções. A vida é, de fato, um evento muito especial e, até o momento, sabemos que ela ocorreu em apenas um único lugar do Universo: o nosso planeta.

Entretanto, com o passar do tempo o nosso organismo não consegue mais vencer essa batalha. Começamos a sentir os efeitos do tempo e envelhecer. O nosso corpo já não consegue manter a pele com a mesma elasticidade, os cabelos caem e os nossos órgãos não funcionam mais adequadamente. Em um determinado momento, ocorre uma falha fatal e morremos. Como a manutenção da vida é uma luta pela organização, quando esta cessa, imediatamente o corpo começa a se deteriorar e rapidamente perde todas as características que levaram muitos anos para se estabelecer. As informações acumuladas ao longo de anos, registradas em nosso cérebro a partir de configurações específicas dos neurônios, serão perdidas e não poderão ser novamente recuperadas com a completa deterioração do nosso cérebro.

A vida para surgir, entretanto, necessita de certo grau de ordem. Não basta simplesmente misturarmos os elementos básicos (proteínas, aminoácidos, etc.) e esperarmos que apareça uma forma de vida. São necessárias as instruções para que cada parte se ordene de maneira adequada. Quem cumpre essa tarefa é a molécula de ácido desoxirribonucléico, ou DNA. A sua estrutura e a sua composição são como um alfabeto genético. Todas as formas de vida que conhecemos, como a bactéria, a formiga, a abelha, o tubarão, o milho, a rosa e o homem, utilizam o mesmo tipo de código. Essa é uma das evidências importantes da evolução. Todos os seres vivos, de alguma maneira, são parentes próximos, pois partilham da mesma química fundamental.

Para que ocorra a manutenção da vida é necessário importarmos energia do meio ambiente. Para perpetuarmos a vida é necessária a informação genética. Para evoluirmos é preciso que ocorra a diversidade, pois a partir dela é que as espécies se adaptam às transformações do ambiente. O fascínio que esse tema tende a provocar talvez venha da sua complexidade. Muitos desafios deverão ser superados para que possamos ter a completa compreensão desse incrível fenômeno.



Autor: Adilson J. A. de Oliveira é professor associado I do Departamento de Física (DF) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), membro do Grupo de Supercondutividade e Magnetismo (GSM) do DF e do Núcleo de Excelência em Materiais Nanoestruturados Eletroquimicamente (Nanofael) e editor da revista digital Click Ciência

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