Em uma galáxia muito distante ....

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on-line
Publicada em 22/12/2015




Para os fãs da ficção científica, um dos eventos mais esperados de 2015 era (finalmente!) a estreia de um novo capítulo da consagrada série Guerra nas Estrelas. Depois de dez anos de espera, chegou aos cinemas do mundo Star Wars – o despertar da força. Como físico apaixonado por astronomia e fã da saga, não podia deixar de escrever sobre ela.
A epopeia cinematográfica de Georges Lucas, que começou em 1977, atrai uma legião de admiradores desde então. No meu caso em particular, ainda era um garoto quando foi lançado o primeiro filme, a que assisti no cinema da pequena cidade onde nasci. Foi fascinante ver os efeitos especiais fantásticos e únicos para aquela época. Além disso, o filme trazia uma história que envolvia a disputa entre o bem e o mal, em batalhas espaciais nunca antes vistas no cinema. Ao mesmo tempo em que retratava tecnologias que permitiam viajar (e guerrear) entre as estrelas, o filme apresentava um lado místico, no qual uma força presente em todo universo podia ser controlada por algumas pessoas especiais, os cavaleiros Jedi. 


Após quase quarenta anos do início da saga Guerra nas Estrelas, novos filmes, séries animadas e outros produtos de ficção foram lançados, criando um universo ficcional muito interessante. Os mais aficionados sempre perguntam e imaginam se a ficção criada por George Lucas pode, de alguma forma, refletir uma realidade ainda desconhecida. Há vários aspectos que poderíamos discutir sobre isso, mas jamais poderíamos esgotá-los nesta coluna. Arrisco-me, então, a abordar alguns aspectos que estão mais próximos da nossa compreensão.

Além de Netuno

Quando o primeiro filme da série foi lançado, conhecíamos apenas os planetas do Sistema Solar. Hoje, sabemos que existem milhares de planetas fora dele, inclusive orbitando estrelas duplas. Como o planeta Tatooine, retratado nos filmes de Lucas, o planeta Kepler 16b, que está a 200 anos-luz da Terra (um ano-luz equivale à distância de aproximadamente 10 trilhões de quilômetros), também orbita duas estrelas. Mas, neste caso específico, há uma diferença crucial entre realidade e ficção: Kepler 16b é um gigante gasoso com massa semelhante a Saturno, bem diferente do desértico Tatooine. 
Embora a maioria dos planetas extrassolares descobertos até agora não sejam próprios para abrigar a vida como conhecemos, isso não significa que não existam outros semelhantes à Terra (isto é, com água no estado líquido e oxigênio em abundância), e sim que não estamos usando as técnicas mais apropriadas para encontrá-los. 
Até recentemente, as principais metodologias utilizadas para a busca de exoplanetas vinham sendo a observação do trânsito planetário (quando o planeta passa na frente da estrela, diminuindo o seu brilho) e a detecção de microlentes gravitacionais (quando o planeta e a estrela desviam a luz de outra estrela distante). Essas técnicas são mais apropriadas para encontrar planetas de massa elevada e muito próximos de suas estrelas – o que os tira das chamadas “zonas habitáveis”. Porém, com a nova geração de telescópios terrestres e espaciais que estão sendo construídos, é provável que, nas próximas décadas, tenhamos grandes avanços na busca de planetas extrassolares, e talvez até surjam evidências de vida fora da Terra.

Biodiversidade interestelar

Por falar em vida extraterrestre, outro fato muito interessante relatado nos filmes de Guerra nas Estrelas é a diversidade de espécies alienígenas. Além dos seres humanos, são retratados wookiees, como Chewbacca (companheiro de Han Solo), e formas bizarras como lesmas gigantes (Jabba), espécies com três olhos e vários braços, entre outras. Seriam possíveis em um mundo real?
Até hoje, conhecemos um único tipo de biologia, baseada em moléculas que combinam basicamente carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. Assim são formadas as espécies conhecidas em nosso planeta, e todas elas compartilham de uma grande semelhança genética devido aos processos de evolução que ocorreram ao longo de bilhões de anos. Segundo o princípio da seleção natural, de alguma maneira, as espécies se adaptaram às condições do ambiente, e as que melhor se adaptaram conseguiram passar para os seus descendentes as características que lhes deram vantagem.
Seguindo esse raciocínio, formas de vida tão bizarras e estranhas como as retratadas nos filmes necessitariam de condições muito especiais para surgir. Quando descobrirmos a primeira forma de vida fora da Terra – mesmo que seja aqui em nosso Sistema Solar, e ainda que seja apenas uma bactéria ou coisa parecida –, poderemos verificar se esse mecanismo da evolução é universal ou algo muito particular de nosso planeta.


Muita imaginação e nem tanta tecnologia

As tecnologias apresentadas na série, por sua vez, são, apesar de muito interessantes, impossíveis fisicamente, pelo menos em sua maioria. Por exemplo, os sabres de luz, usados pelos Jedi, são uma bela alegoria das espadas dos grandes cavaleiros medievais, mas não seria possível construí-los em um mundo real. Seria muito difícil aprisionar a luz como sugerem os filmes, e mais ainda dar a ela essa aparência “sólida” que permite a luta. De fato, dois raios de luz emitidos por fontes distintas simplesmente atravessam um ao outro – teste com um laser comum, desses usados em apresentações.
Tão impossível quanto duelar com sabres de luz é construir as espaçonaves que povoam a ficção. Nos filmes, elas facilmente viajam mais rápido que a luz, percorrendo em tempo recorde enormes distâncias interestelares. Infelizmente, como mostrou a teoria da relatividade de Albert Einstein, nada no universo conhecido pode viajar mais rápido que a luz: a energia necessária para mover uma espaçonave nessa velocidade seria, em parte, transformada em massa – de acordo com a famosa equação E=mc2 – e, quanto mais próxima a espaçonave estiver da velocidade da luz, maior será sua massa, de forma que necessitará de uma energia infinita para superar essa velocidade. 
Se viajar tão rápido é impossível, as espaçonaves de Guerra nas Estrelas teriam, então, que usar outros meios de vencer as enormes distâncias espaciais. Nos filmes, é mencionado que elas viajam pelo hiperespaço, o que, no enredo, significa viajar por uma dimensão paralela à nossa e que permitiria realizar viagens mais rápidas que a luz. Em outras séries de ficção, uma saída é o conceito de “dobra espacial” (warp drive), no qual, a partir de grandes quantidades de energia, poder-se-ia encurvar o espaço, diminuindo as distâncias estelares. No entanto, essa tecnologia requereria uma quantidade impensável de energia, equivalente à que o Sol produz durante toda a sua existência.
Agora, uma das tecnologias mais próximas da nossa realidade seriam os robôs, ou droides, que aparecem na saga. Figuras como o C3PO e R2D2 tornaram-se marcantes em todos filmes, principalmente por não serem simples máquinas, e sim personagens de fato, com personalidades particulares. Com os avanços atuais da inteligência artificial, talvez, em um futuro não muito distante, possamos ter máquinas com o senso de humor do R2D2 e tão ranzinzas como o C3PO. Quem sabe?
Enfim, mesmo sem muitos toques de realidade, a franquia Guerra nas Estrelas é uma das mais populares de todos os tempos. Não é à toa todo o sucesso, pois ela foi revolucionária em termos do próprio cinema, mas também por aumentar em nós a curiosidade sobre as estrelas e sobre o espaço. George Lucas estimulou nossa imaginação e aguçou nossa atenção para observar os céus. Com certeza muitas pessoas, e eu me incluo entre essas, tiveram inspiração desse e de outros filmes de ficção científica para escolherem a carreira de cientista, imaginando que, algum dia, pudessem transformar ficção em realidade. Esta, talvez, seja a verdadeira força: a vontade de compreender o desconhecido e ir além. Que ela esteja com vocês!

Adílson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos

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