Ficção e realidade no espaço

Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje On-line
Publicada em 16/11/2012


Quando eu ainda era um garoto, na década de 1970, um dos programas de televisão de que eu mais gostava era uma série sobre ficção científica e viagens espaciais chamadaPerdidos no espaço. Ela foi produzida em meados dos anos 1960, mas, naquela época, era novidade aqui no Brasil.
Perdidos no espaço tratava das aventuras de uma família norte-americana – a família Robinson –, um robô (que se tornou um dos personagens mais queridos da série) e o piloto de uma espaçonave (Júpiter 2), que os conduzia pelo espaço em busca de novos planetas. Era necessário encontrar novos mundos que pudéssemos habitar, por causa da superpopulação da Terra no final do século 20.
Devido à sabotagem de um espião (Dr. Smith) que invadiu a nave em seu lançamento – e ficou preso nela –, Júpiter 2 nunca chegou ao seu destino, mas acabou encontrando outros mundos. O garoto Will Robinson, Dr. Smith e o robô foram os melhores personagens da série, que teve três temporadas.
No programa, o lançamento fictício da espaçonave que ficaria ‘perdida no espaço’ ocorreu no dia 16 de outubro de 1997, com destino ao sistema estelar Alfa Centauri, o mais próximo da Terra, a pouco mais de 4 anos-luz de distância (um ano-luz representa a distância que a luz percorre em um ano e equivale a aproximadamente 10 trilhões de quilômetros).


O sistema Alfa Centauri possui três estrelas. Alfa Centauri A é cerca de 23% maior que o Sol e semelhante a ele. Alfa Centauri B é uma estrela com raio 14% menor que o da primeira e tem cor alaranjada. Finalmente, Alfa Centauri C, também conhecida como Proxima Centauri, é uma estrela tipo anã-vermelha, muito pouco brilhante e com diâmetro de apenas 1,5 vezes o de Júpiter.
Alfa Centauri C está a 4,2 anos-luz da Terra, enquanto Alfa Centauri A e B estão a 4,4 anos-luz. As três estrelas orbitam em torno de uma posição que chamamos de ‘centro de massa’ do sistema. As duas estrelas maiores completam uma translação ao redor desse ponto a cada 80 anos e estão distantes entre si aproximadamente 1,67 bilhões de quilômetros, o que equivale à distância entre o Sol e Saturno. Alfa Centauri C gasta mais de um milhão de anos para completar a sua órbita e está a 2,2 trilhões de quilômetros (0,24 ano-luz) da dupla principal.
Olhando da Terra, Alfa Centauri é a estrela mais brilhante da constelação do Centauro. Para encontrá-la, basta procurar bem próximo da constelação do Cruzeiro do Sul. Alfa Centauri é a terceira estrela mais brilhante do nosso céu. É possível observar a dupla Alfa Centauri A e B com um pequeno telescópio. Sem dúvida é um belo espetáculo para os amantes da astronomia. Já Alfa Centauri C só pode ser vista por meio de instrumentos mais sofisticados.


Nosso vizinho mais próximo

No último dia 16 de outubro, 15 anos depois do ficcional lançamento de Júpiter 2, foi anunciada a descoberta de um planeta com tamanho semelhante ao da Terra e apenas 13% mais massa que esta orbitando Alfa Centauri B. Contudo, esse planeta está muito próximo da estrela, a apenas 6 milhões de quilômetros dela, e gasta somente 3,2 dias para completar sua órbita. Dessa forma, ele não se encontra na chamada ‘região habitável’, onde há chance de existir água no estado líquido e temperaturas amenas que possam suportar a vida.
Embora o sistema Alfa Centauri seja nosso vizinho próximo – localizado praticamente no mesmo quarteirão –, enviar uma sonda espacial ou chegar pessoalmente até lá está muito além das nossas possibilidades tecnológicas. Na série Perdidos no espaço, a família Robinson levaria cinco anos para realizar a viagem, se deslocando a uma velocidade próxima à da luz. Durante esse período, eles estariam em um estado de hibernação.
Talvez a hibernação seja a maneira de conseguirmos, em um futuro próximo, realizar essas viagens interestelares. Mas, com a tecnologia atual, levaria dezenas de milhares de anos para percorrermos a distância que nos separa de Alfa Centauri.
Se viajássemos com velocidade próxima à da luz, como faria a nave Júpiter 2, a viagem não levaria de fato cinco anos para os tripulantes da nave. Nesse caso, poderíamos ter efeitos bem interessantes.


Espaço e tempo relativos

Albert Einstein (1879-1955), ao desenvolver a teoria da relatividade, mostrou que a velocidade da luz é a velocidade limite do universo e que o espaço e o tempo são relativos ao nosso movimento. Ao viajarmos com velocidade próxima à da luz, o tempo passa de uma forma mais lenta. Esse é o fenômeno da dilatação temporal.
Embora ainda não tenhamos construído espaçonaves que viajem nessa velocidade, esse efeito é observado em experimentos realizados em aceleradores de partículas, nos quais prótons e elétrons, por exemplo, são acelerados a essa incrível velocidade.
Algumas partículas elementares têm um tempo de vida muito curto antes de se desintegrarem em outras. Quando estão viajando em velocidades próximas à da luz, elas ‘vivem mais’. Por exemplo: quando uma partícula elementar chamada muon (que tem cerca de 200 vezes a massa do elétron) está em repouso em relação a um observador, ela tem um tempo de vida de 2,2 milionésimos de segundo. Quando está viajando a 99,94% da velocidade da luz em relação a esse mesmo observador, ela permanece estável por 64 milionésimos de segundo. Contudo, para a partícula, passaram-se os mesmos 2,2 milionésimos de segundo.
Se enviássemos uma espaçonave para Alfa Centauri a uma velocidade de 99,9% da velocidade da luz, para quem fica na Terra a viagem demorará um pouco mais de quatro anos, afinal, a estrela está a 4 anos-luz de distância. Mas, para quem está na espaçonave, a viagem demoraria pouco mais de dois meses. Como isso é possível?
Associado ao efeito de dilatação temporal, existe o efeito de contração do espaço. Quem está na espaçonave, viajando em velocidade constante, tem a sensação de que está em repouso e todo o resto está se movendo em sua direção. Temos percepção semelhante quando viajamos por uma estrada reta com o automóvel mantendo sempre a mesma velocidade. Parece que são as árvores, os postes etc. que se movem e nós estamos parados.
De acordo com a teoria da relatividade, se nos movêssemos em velocidades próximas à da luz, teríamos a sensação de estar em repouso e de que todo o universo está se aproximando de nós. E, de fato, o espaço percorrido seria mais curto. Isso acontece porque o espaço e o tempo estão interligados, formando um contínuo ‘espaço-tempo’. Portanto, uma dilatação do tempo corresponde a uma contração do espaço na direção em que estamos nos movendo.
No caso da viagem para Alfa Centauri que imaginamos acima, teríamos percorrido apenas a distância de pouco mais de 2 meses-luz, ou aproximadamente 1,7 trilhões de quilômetros, e não os mais de 40 trilhões de quilômetros que separa Alfa Centauri da Terra.
Mas ainda demorará muito para conseguirmos fazer nossa primeira visita ao planeta recém-descoberto em Alfa Centauri. Por enquanto, resta-nos apenas espiar de longe e usar a imaginação.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos




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