Sonhos de um jovem visionário
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
16/03/2007
Publicada no Ciência Hoje On-line
16/03/2007
A maneira de entendermos o mundo em que vivemos se altera com a passagem do tempo. Quando somos crianças, imaginamos um mundo mágico, no qual esperamos que muitas de nossas fantasias se tornem reais. À medida que crescemos e chegamos à adolescência, tomamos mais contato com o mundo real. Algumas das fantasias se mostram impossíveis e outros sonhos surgem. Dependendo dos estímulos e recursos do meio no qual convivemos, podemos ter grandes sonhos ou pensar apenas naquilo que nos é mais imediato. Nessa fase, alguns acreditam que podem mudar o mundo com suas idéias. Ao se tornarem adultos, descobrem que a maioria delas é impossível de se concretizar. No entanto, certos indivíduos conseguem, realmente, transformar o mundo com suas idéias.
os 16 anos de idade, um jovem que ainda não tinha completado o ensino médio tinha perguntas e idéias que, do ponto de vista de alguns professores, perturbavam a disciplina da classe. Fora recomendado a ele deixar a escola, pois provavelmente nunca seria nada na vida. Procurando um ambiente mais livre para pensar, mudou de escola e teve mais liberdade para refletir sobre alguns temas que, um dia, iriam revolucionar o mundo. Foi uma revolução silenciosa, mas que ecoará para sempre em toda a história da humanidade.
Esse jovem, como nos conta em sua autobiografia, ao ter contato com um livro de popularização da ciência, ficou fascinado com uma das primeiras informações que ali encontrou. Ele descobriu que a luz viaja pelo espaço com a velocidade incrível de aproximadamente 300.000 km/s (ou 1,08 bilhão de quilômetros por hora). Uma pergunta surgiu em sua mente: como seria o mundo se pudéssemos viajar em uma onda de luz?
A solução para esse questionamento levou quase 10 anos para ser respondida, por ele mesmo. Na época, o jovem começou a responder essa pergunta imaginando que não podemos dizer que estamos em uma onda de luz se viajarmos junto com ela. Uma onda é uma perturbação de alguma grandeza que se propaga no espaço e é periódica no tempo. Se estivermos na crista da onda, permaneceremos nela e não teremos a noção de que estamos na onda.
Uma solução relativa
Podemos entender a luz como uma onda formada pelos campos elétricos e magnéticos que oscilam periodicamente no tempo se propagando no espaço. Se viajássemos junto com ela, esses campos nos pareceriam estáticos, pois estaríamos viajando com a mesma velocidade e teríamos a sensação de que eles estão parados. O grande problema é que, na época em que viveu nosso protagonista, a descrição do comportamento das ondas luminosas era feita pelas equações de Maxwell, que não previam esse tipo de comportamento. Viajar na velocidade da luz parece ser problemático.
Muitos dos leitores já descobriram quem é o brilhante jovem a que estou me referindo. Trata-se de Albert Einstein (1879-1955) que, se estivesse vivo, teria completado 128 anos no último dia 14. Em 1905, quando trabalhava em um escritório de patentes na Suíça, ele publicou a solução da questão que o incomodava na adolescência. Com a coragem de fazer propostas ousadas, Einstein propôs que a física conhecida naquela época estava equivocada quando se tratava de corpos se movimentando com a velocidade da luz. No outono de 1905, em 26 de setembro, foi publicada a solução proposta por ele, aos 26 anos. O artigo “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento” tornou-se a base da teoria da relatividade especial.
Quanto mais fundamentais e simples são os postulados de uma teoria, mais abrangente ela consegue ser. A teoria da relatividade especial está baseada em apenas dois. Um deles é que as leis da física são as mesmas para todos os observadores em referenciais inerciais – ou seja, referenciais que não estão sujeitos a nenhum tipo de força ou aceleração e, portanto, conservam seu estado de movimento. O outro princípio afirma que a velocidade da luz é constante, independentemente do referencial do observador ou do movimento da fonte que a emite.
Com base nesses fundamentos, o jovem Einstein chegou a uma solução para a dúvida que ele levantara havia mais de 10 anos: nunca conseguiríamos andar junto com a luz, pois ela sempre estaria com a mesma velocidade em relação a nós. A resposta de Einstein levou a mudanças radicais na forma de entendermos a natureza do espaço e do tempo. Antes de Einstein, tanto o espaço como o tempo eram absolutos, ou seja, eram como o palco de um espetáculo, que não se altera com a dinâmica da história. Para Einstein, eles se transformaram nos protagonistas principais da peça da natureza.
Idéia contra-intuitiva
A idéia de que existe uma velocidade limite para o universo, a velocidade da luz, conseguiu resolver o dilema de Einstein, embora nos pareça estranha à primeira vista. É natural observarmos que, se de um automóvel com a velocidade de 100 km/h, arremessarmos uma bola de tênis com a velocidade de 10 km/h no mesmo sentido do movimento do carro, uma pessoa sentada na beira da estrada verá essa bola se mover com velocidade de 110 km/h.
Entretanto, se a situação for a de uma espaçonave viajando a 250.000 km/s (trocamos de veículo, pois um automóvel com essa velocidade é inverossímil demais) lançar um foguete com a velocidade de 100.000 km/s (trocamos de objeto, pois nem o melhor tenista do mundo consegue lançar bolas de tênis a essa velocidade) em relação à espaçonave, segundo a nossa experiência cotidiana, esperaríamos que a velocidade do foguete observada em uma segunda espaçonave parada em relação à primeira fosse de 350.000 km/s. Contudo, o valor que se verificaria é de 274.000 km/s, como previsto pela teoria da relatividade especial.
Outros efeitos interessantes, que o adolescente Einstein sequer tinha imaginado, seriam observados pelo tripulante da segunda espaçonave. Se a primeira tiver o comprimento de 100 metros, quando parada, ao se movimentar com a velocidade de 250.000 km/s, ele observará que ela tem nessa situação 55 metros de comprimento! Se comparar seu relógio com o da espaçonave em movimento, ele observaria que o dela mede o passar do tempo mais lentamente. Esses efeitos não são propriedades da matéria, mas sim do próprio espaço e do tempo. De fato, o que se observa é a contração do comprimento e a dilatação do tempo. Contudo, quem estiver a bordo da espaçonave em movimento não perceberá nada disso, pois esses efeitos são relativos a quem observa (daí o nome teoria da relatividade ).
Seria possível imaginar que os resultados descritos acima são absurdos e que Einstein teve loucos delírios para propô-los (mais louco ainda quem acredita neles!), pois tais resultados contrariam a lógica e o senso comum. De fato, ainda não existe ainda tecnologia para se construir espaçonaves e foguetes que viajem a velocidades tão altas. Contudo, existem máquinas (aceleradores de partículas) que aceleram elétrons ou prótons até velocidades próximas à da luz. Nos experimentos feitos nessas máquinas, verifica-se que essas situações estão de acordo com as previsões feitas pela teoria da relatividade especial.
As idéias que povoavam a mente do adolescente Einstein mostram que nunca devemos perder a capacidade de questionar, pois algumas de nossas perguntas talvez tragam respostas revolucionárias. Como ele mesmo afirmou em 1955: “A coisa mais importante é não parar de questionar. A curiosidade tem suas próprias razões para existir.”
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
os 16 anos de idade, um jovem que ainda não tinha completado o ensino médio tinha perguntas e idéias que, do ponto de vista de alguns professores, perturbavam a disciplina da classe. Fora recomendado a ele deixar a escola, pois provavelmente nunca seria nada na vida. Procurando um ambiente mais livre para pensar, mudou de escola e teve mais liberdade para refletir sobre alguns temas que, um dia, iriam revolucionar o mundo. Foi uma revolução silenciosa, mas que ecoará para sempre em toda a história da humanidade.
Esse jovem, como nos conta em sua autobiografia, ao ter contato com um livro de popularização da ciência, ficou fascinado com uma das primeiras informações que ali encontrou. Ele descobriu que a luz viaja pelo espaço com a velocidade incrível de aproximadamente 300.000 km/s (ou 1,08 bilhão de quilômetros por hora). Uma pergunta surgiu em sua mente: como seria o mundo se pudéssemos viajar em uma onda de luz?
A solução para esse questionamento levou quase 10 anos para ser respondida, por ele mesmo. Na época, o jovem começou a responder essa pergunta imaginando que não podemos dizer que estamos em uma onda de luz se viajarmos junto com ela. Uma onda é uma perturbação de alguma grandeza que se propaga no espaço e é periódica no tempo. Se estivermos na crista da onda, permaneceremos nela e não teremos a noção de que estamos na onda.
Uma solução relativa
Podemos entender a luz como uma onda formada pelos campos elétricos e magnéticos que oscilam periodicamente no tempo se propagando no espaço. Se viajássemos junto com ela, esses campos nos pareceriam estáticos, pois estaríamos viajando com a mesma velocidade e teríamos a sensação de que eles estão parados. O grande problema é que, na época em que viveu nosso protagonista, a descrição do comportamento das ondas luminosas era feita pelas equações de Maxwell, que não previam esse tipo de comportamento. Viajar na velocidade da luz parece ser problemático.
Muitos dos leitores já descobriram quem é o brilhante jovem a que estou me referindo. Trata-se de Albert Einstein (1879-1955) que, se estivesse vivo, teria completado 128 anos no último dia 14. Em 1905, quando trabalhava em um escritório de patentes na Suíça, ele publicou a solução da questão que o incomodava na adolescência. Com a coragem de fazer propostas ousadas, Einstein propôs que a física conhecida naquela época estava equivocada quando se tratava de corpos se movimentando com a velocidade da luz. No outono de 1905, em 26 de setembro, foi publicada a solução proposta por ele, aos 26 anos. O artigo “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento” tornou-se a base da teoria da relatividade especial.
Quanto mais fundamentais e simples são os postulados de uma teoria, mais abrangente ela consegue ser. A teoria da relatividade especial está baseada em apenas dois. Um deles é que as leis da física são as mesmas para todos os observadores em referenciais inerciais – ou seja, referenciais que não estão sujeitos a nenhum tipo de força ou aceleração e, portanto, conservam seu estado de movimento. O outro princípio afirma que a velocidade da luz é constante, independentemente do referencial do observador ou do movimento da fonte que a emite.
Com base nesses fundamentos, o jovem Einstein chegou a uma solução para a dúvida que ele levantara havia mais de 10 anos: nunca conseguiríamos andar junto com a luz, pois ela sempre estaria com a mesma velocidade em relação a nós. A resposta de Einstein levou a mudanças radicais na forma de entendermos a natureza do espaço e do tempo. Antes de Einstein, tanto o espaço como o tempo eram absolutos, ou seja, eram como o palco de um espetáculo, que não se altera com a dinâmica da história. Para Einstein, eles se transformaram nos protagonistas principais da peça da natureza.
Idéia contra-intuitiva
A idéia de que existe uma velocidade limite para o universo, a velocidade da luz, conseguiu resolver o dilema de Einstein, embora nos pareça estranha à primeira vista. É natural observarmos que, se de um automóvel com a velocidade de 100 km/h, arremessarmos uma bola de tênis com a velocidade de 10 km/h no mesmo sentido do movimento do carro, uma pessoa sentada na beira da estrada verá essa bola se mover com velocidade de 110 km/h.
Entretanto, se a situação for a de uma espaçonave viajando a 250.000 km/s (trocamos de veículo, pois um automóvel com essa velocidade é inverossímil demais) lançar um foguete com a velocidade de 100.000 km/s (trocamos de objeto, pois nem o melhor tenista do mundo consegue lançar bolas de tênis a essa velocidade) em relação à espaçonave, segundo a nossa experiência cotidiana, esperaríamos que a velocidade do foguete observada em uma segunda espaçonave parada em relação à primeira fosse de 350.000 km/s. Contudo, o valor que se verificaria é de 274.000 km/s, como previsto pela teoria da relatividade especial.
Outros efeitos interessantes, que o adolescente Einstein sequer tinha imaginado, seriam observados pelo tripulante da segunda espaçonave. Se a primeira tiver o comprimento de 100 metros, quando parada, ao se movimentar com a velocidade de 250.000 km/s, ele observará que ela tem nessa situação 55 metros de comprimento! Se comparar seu relógio com o da espaçonave em movimento, ele observaria que o dela mede o passar do tempo mais lentamente. Esses efeitos não são propriedades da matéria, mas sim do próprio espaço e do tempo. De fato, o que se observa é a contração do comprimento e a dilatação do tempo. Contudo, quem estiver a bordo da espaçonave em movimento não perceberá nada disso, pois esses efeitos são relativos a quem observa (daí o nome teoria da relatividade ).
Seria possível imaginar que os resultados descritos acima são absurdos e que Einstein teve loucos delírios para propô-los (mais louco ainda quem acredita neles!), pois tais resultados contrariam a lógica e o senso comum. De fato, ainda não existe ainda tecnologia para se construir espaçonaves e foguetes que viajem a velocidades tão altas. Contudo, existem máquinas (aceleradores de partículas) que aceleram elétrons ou prótons até velocidades próximas à da luz. Nos experimentos feitos nessas máquinas, verifica-se que essas situações estão de acordo com as previsões feitas pela teoria da relatividade especial.
As idéias que povoavam a mente do adolescente Einstein mostram que nunca devemos perder a capacidade de questionar, pois algumas de nossas perguntas talvez tragam respostas revolucionárias. Como ele mesmo afirmou em 1955: “A coisa mais importante é não parar de questionar. A curiosidade tem suas próprias razões para existir.”
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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